Chomsky_Noam_-_lucro_ou_as_pessoas

(mariadeathaydes) #1

informou a imprensa. O governo se recusou a fornecer informações detalhadas ao Parlamento e a
permitir que este fizesse uma análise do acordo. Nossa “posição sobre o AMI é muito clara”, o
governo respondeu: “Não assinaremos nada que não seja comprovadamente do interesse nacional
australiano”. Em resumo, “Vamos fazer o que acharmos melhor” – ou, mais precisamente, o que os
nossos senhores ordenarem; e de acordo com a praxe, o “interesse nacional” será definido pelos
poderes centrais, funcionando a portas fechadas.
Sob pressão, o governo concordou, alguns dias depois, que o comitê parlamentar fizesse uma
análise do AMI. Relutantemente, os editores apoiaram a decisão: isso era necessário por causa da
“histeria xenófoba” dos “alarmistas” e da “aliança profana entre grupos assistenciais, sindicatos,
ambientalistas e a bizarra teoria da conspiração”. Advertiram, entretanto, que depois dessa
lamentável concessão seria de “vital importância que o governo não recuasse nem mais um
milímetro de seu firme compromisso” com o AMI. O governo negou a acusação de segredo, alegando
que a minuta do acordo estava disponível na Internet – graças aos grupos de ativistas que a
colocaram ali depois que ela lhes foi vazada.^79
Podemos nos animar: a democracia floresce na Austrália, apesar de tudo!
No Canadá, agora enfrentando uma espécie de incorporação aos Estados Unidos acelerada
pelo “livre comércio”, a “aliança profana” obteve um sucesso muito maior. Durante um ano inteiro,
o acordo foi discutido nos principais diários e semanários, em cadeia nacional de TV no horário
nobre e em reuniões públicas. A província da Colúmbia Britânica anunciou na Câmara dos Comuns
sua “firme oposição” ao tratado proposto, observando as suas “inaceitáveis restrições” aos governos
eleitos nos níveis federal, provincial e local; seu impacto negativo sobre os programas sociais (saúde
pública etc.) e sobre a proteção ambiental e a gestão de recursos naturais; a abrangência
extraordinária da definição de “investimento”; e outros ataques à democracia e aos direitos
humanos. O governo provincial se opunha particularmente às medidas que permitem às grandes
empresas mover ações judiciais contra os governos, enquanto elas próprias ficam isentas de
responsabilidades, além de ter as suas questões resolvidas em “câmaras de litígio não eleitas e não
sujeitas ao controle público”, formadas por “especialistas em relações comerciais”, e operando sem
regras estatutárias, sem transparência e sem chance de recurso.
Uma vez rompida a capa de segredo pela gritaria dos de baixo, o governo canadense foi
obrigado a tranqüilizar o público, dizendo que o desconhecimento é para o seu próprio bem. Essa
missão foi cumprida num debate nacional da CBC TV por Sergio Marchi, ministro canadense do
Comércio Internacional: ele “gostaria de pensar que o povo tem absoluta confiança”, disse, na
“atitude honesta que, creio, o nosso Primeiro-Ministro transpira”, e “no seu amor pelo Canadá”.
Isso devia resolver o problema. De modo que a democracia está saudável na fronteira norte,
também.
De acordo com a CBC, o governo canadense – como o australiano – “não tem planos neste
momento para a legislação sobre o AMI”, e “o ministro do Comércio diz que isso talvez não venha a
ser necessário”, uma vez que o AMI “é apenas uma extensão do NAFTA”^80.
Na Inglaterra e na França, houve alguma discussão na mídia, mas não sei se lá ou em
qualquer outro país do mundo livre se achou necessário assegurar ao público que os seus
interesses estão mais bem servidos pela fé nos líderes que “o amam”, que “transpiram honestidade”
e que defendem resolutamente o “interesse nacional”.

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