A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
100 / A loucura da razão econômica

adquirir um preço, se forem cercados e se tornarem propriedade privada de al­
guém. O proprietário estará então em posição de poder extrair renda monetária
desses recursos, ainda que em si não possuam valor. O mesmo vale para o meio
ambiente construído, paisagens preparadas para o uso e cultivo e artefatos culturais
herdados de muito tempo atrás. O que às vezes é denominado “segunda natureza” é
também um tesouro de dádivas gratuitas que podem servir de valor de uso na pro­
dução2. Semelhantes “doações” de “bens gratuitos” ao capital podem ser extraídas
do trabalho de unidades familiares, do produto da agricultura de subsistência e de
populações não produtoras de mercadorias. Segundo Marx:

A m anutenção e reprodução constantes da classe trabalhadora continuam a ser um a
condição constante para a reprodução do capital. O capitalista pode abandonar confia­
dam ente o preenchim ento dessa condição ao im pulso de autoconservação e procriação
dos trabalhadores.3

Até mesmo as habilidades adquiridas pelos trabalhadores podem ser apropria­
das gratuitamente pelo capital. E o caso, em especial, das habilidades adquiridas no
trabalho e do conhecimento armazenado no cérebro do trabalhador.

A força produtiva social do trabalho se desenvolve gratuitam ente sempre que os trabalha­
dores se encontrem sob determinadas condições, e é o capital que os coloca sob essas con­
dições. Pelo fato de a força produtiva social do trabalho não custar nada ao capital e, por
outro lado, não ser desenvolvida pelo trabalhador antes que seu próprio trabalho pertença
ao capital, ela aparece como força produtiva que o capital possui por natureza [...] ,4

Trabalhadores experientes podem, no entanto, extrair uma renda monopólica
dessas habilidades, se forem difíceis de reproduzir. Consequentemente, o capital trava
uma guerra contra a reprodução de habilidades monopolizáveis na força de trabalho.
A rápida mudança de status dos programadores de computador nos últimos anos —
de especialistas qualificados a trabalhadores de rotina - é um bom exemplo.
Essas não são práticas residuais que foram herdadas de muito tempo atrás. O
que os trabalhadores aprendem ao executar seu trabalho é uma característica ca­
da vez mais poderosa da economia política do capital. Mas trata-se de um po­
der do trabalhador que parece ser e é apropriado gratuitamente como um poder


2 Neil Smith, Uneven Development: Nature, Capital and the Production o f Space (Oxford, Wiley,
1990).
3 Karl Marx, O capital, Livro I, cit., p. 647.
4 Ibidem, p. 408.
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