A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
Preços sem valores / 101

do capital. Considere o difícil caso do trabalho digital contemporâneo. Michel
Bauwens, fundador da P2P, escreve:


Sob o regime do capitalismo cognitivo, a criação de valores de uso aumenta de maneira
exponencial, mas o valor de troca cresce de maneira linear, e é quase que exclusivamente
realizado pelo capital, engendrando formas de hiperexploração. [...] Enquanto no neoli-
beralismo clássico a renda dos trabalhadores entra em estagnação, no hiperneoliberalismo
a sociedade é desproletarizada, isto é, o trabalho assalariado é substituído cada vez mais
por freelancers isolados e, em larga medida, precarizados; mais valor de uso escapa da
forma trabalho [e] os criadores de valores de uso acabam não sendo recompensados em
termos de valor de troca, que é realizado unicamente pelas plataformas proprietárias.5

A renda média por hora daqueles que realizam de fato o trabalho “não ultrapas­
sa dois dólares, o que é muito abaixo do salário mínimo nos Estados Unidos”. A
forma-preço oculta aqui a “hiperexploração” no que Bauwens considera um novo
regime de valor “neofeudal” — que é ainda pior do que o capitalismo tradicional.
Esse regime “depende cada vez mais da ‘corveia’ não remunerada e gera uma situa­
ção generalizada de servidão por dívida”. Isso significa um sistema de economia
política fundamentado no trabalho voluntário aplicado à produção colaborativa
baseada em bens comuns \commons-orientedpeerproductiori. O que foi concebido
inicialmente como um regime de produção colaborativa liberatório foi transforma­
do em um regime de hiperexploração do qual o capital se alimenta livremente. A
pilhagem desenfreada por parte do grande capital dos recursos gratuitos produzidos
por uma força de trabalho autoqualificada e autodidata (como fazem a Amazon e
o Google) tornou-se um traço característico dos nossos tempos. Isso extravasa para
a chamada indústria cultural. O trabalho inventivo e criativo é implacavelmente
mercantilizado e convertido em comércio lucrativo. Precisamos analisar mais aten­
tamente a posição desse tipo de trabalho em relação à criação e à apropriação de
valor e mais-valor. Isso nos leva à questão do papel do “capitalismo cognitivo” nos
debates contemporâneos, que, por sua vez, repousa na questão da produtividade
em termos de valor da atividade criativa e da produção de conhecimento6.
Considere como as concepções mentais, o conhecimento e a imaginação afetam
a circulação do capital e se relacionam com ela. De que maneira eles se vinculam
à produção de valor e mais-valor? Os teóricos do capitalismo cognitivo dão muita


5 Michel Bauwens, “Towards the Democratisation of the Means of Monetisation”, cit.
6 Yann Moulier Boutang, Cognitive CapitaUsm (Cambridge, Polity, 2011); Cario Vercellone, “From
Formal Subsumpcion to General Intellect: Elements for a Marxist Reading of the Thesis of Cog­
nitive Capitalism”, HistoricalMaterialism, v. 15, 2007, p. 13-36.
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