A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
A questão da tecnologia / 119

sociais habituais, disciplina temporal etc.) de diferentes povos. As dádivas gratuitas
da natureza e da história cultural da natureza humana sáo a base para a acumulação
do capital começar. Essas dádivas gratuitas continuam a ser de grande importância,
uma vez que o capital busca cada vez mais cercá-las e privatizá-las para extrair renda
(por exemplo, impondo um preço sobre o conhecimento, que náo possui valor).
Leia o Livro I d’O capital com cuidado e você verá com que frequência Marx
reitera esses pontos. No capítulo 24 do Livro I, ele descreve quantas dessas precon-
dições foram produzidas através dos processos de acumulação primitiva. A cha­
ve para o capital propriamente dito está, entretanto, na passagem da fabricação
dos produtos (alguns dos quais podem ser trocados no mercado) à produção de
mais-valor pela produção sistemática de mercadorias para o mercado. Esta última
constitui o objetivo exclusivo dos produtores diretos. Tais produtores são definidos
como capitalistas.
O capital se apropria dos processos e condições existentes e os transforma em
algo perfeitamente ajustado aos requisitos de um modo de produção capitalista. O
mesmo vale para as técnicas. Ele se apropria de antigas capacidades de cooperação
(como aquelas demonstradas na construção das pirâmides do Egito) e as combina
em uma forma organizacional adequada à reprodução de uma classe capitalista que
procura colher para si todos os ganhos de produtividade advindos da cooperação e
das crescentes economias de escala. Com isso, transforma as relações sociais entre o
capital e o trabalho (com capatazes e administradores entre eles) no interior do pro­
cesso de trabalho (ver capítulo 11 do Livro I). Da mesma maneira, apropria-se das
divisões de trabalho preexistentes e separa cada uma delas em divisões planejadas
de trabalho no interior da forma capitalista e em divisões de trabalho na sociedade
coordenadas por indicadores do mercado. Cria novas hierarquias no processo de
trabalho e sujeita tanto o capital quanto o trabalho à disciplina do capital na pro­
dução e à indisciplina dos processos anárquicos de mercado (ver o capítulo 12 do
Livro I). Radicaliza técnicas antigas em larga medida por meio de transformações
na escala da produção e na complexidade dos diferentes ofícios reunidos sob o co­
mando do capital. Subdivide as divisões de trabalho existentes em divisões cada vez
mais especializadas, formando partes de um todo muito maior. Por fim, chega-se
a um ponto em que o capital precisa controlar o próprio processo de trabalho pela
criação do sistema fabril. Marx caracteriza esse ponto como a passagem de uma
subsunção formal (coordenações por intermédio de mecanismos de mercado) a
uma subsunção real (sob a supervisão direta do capital) do trabalho no capital7. A
tecnologia é organizada de maneira puramente capitalista pela instalação de
uma fonte de energia externa situada para além da força manual do trabalhador.


7 Karl Marx, “lh e Results of the Immediate Process of Production”, cit., p. 1.019-49.

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