A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
120 / A loucura da razão econômica

O ponto alto vem com a produção de máquinas por máquinas (um insight espan­
toso de Marx, que somente agora, com o advento da inteligencia artificial, está sen­
do plenamente elaborado). Repare que a construção de forças produtivas adaptadas
a um modo de produção capitalista surge no fim dessa sequência, de modo que é
muito difícil ver como as forças produtivas poderíam constituir a força motriz da
transformação histórica, dada a narrativa construida por Mane8. Elas são efetiva­
mente o resultado histórico desse processo. Seria típico de Marx tornar a defender
que o que em determinada etapa é um resultado pode num momento posterior se
tornar um agente motriz fundamental (algo que é provavelmente mais verdadeiro
para a tecnologia e a forma organizacional de hoje do que para a do século XVIII).
Mas, ao estudar essas transições, Marx descreve cuidadosamente as outras
transformações que precisam ocorrer para que esse movimento revolucionário seja
efetivamente completado. Ele argumenta, por exemplo, que a produção, que anti­
gamente era considerada uma arte repleta de mistérios, aprendidos por certa dinâ­
mica de aprendizagem, deve se tornar uma ciência que, quando combinada com o
controle capitalista do processo de trabalho, efetivamente define a tecnologia como
uma esfera distinta de ação, própria do capital9. Sociedades pré-capitalistas pos­
suíam techné, mas o capitalismo possui uma tecnologia que não admite mistérios,
que disseca científicamente a natureza a fim de exercer controle. Isso implica uma
mudança de mentalidade não apenas em relação à produção em si mas também
no que diz respeito à natureza, que tem de ser construída como um objeto morto
(em vez de fecundo e vivo) aberto à dominação e manipulação humana (Marx cita
Descartes aqui)10.
Enquanto isso, o trabalhador se torna um “indivíduo parcial”, preso em uma
função particular da divisão do trabalho, sob o domínio da máquina — em vez de
uma pessoa inteira, controlando seu próprio processo de trabalho11. A forma organi­
zacional da fábrica e o sistema fabril constituem uma ruptura radical, como vimos,
em relação à produção artesanal. A destruição desta última e sua transformação
em trabalho fabril muda a natureza das relações sociais, assim como o emprego de
mulheres e crianças e a reconfiguração da vida familiar e do trabalho no interior das
classes trabalhadoras. Cria-se um novo fundamento econômico para uma forma
superior da família12. A flexibilidade e a fluidez exigidas do trabalhador impõem:


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David Harvey, “Crisis Theory and the Falling Rate of Profit”, cit.; Karl Marx, O capital, Livro I,
cit.
Karl Marx, O capital, Livro I, cit., p. 556.
Idem.
Ibidem, p. 558.
Ibidem, p. 560.
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