A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
O espaço e o tempo do valor / 137

O fato de esse ser um dos papéis-chave do Estado capitalista foi explícitamente
confirmado mais tarde pelo presidente dos Estados Unidos Woodrow Wilson, na dé­
cada de 1920: “Com o o comercio desconhece barreiras nacionais, e o manufatureiro
insiste em ter o mundo como seu mercado, a bandeira de sua nação deve segui-lo,
e as portas das nações que estiverem fechadas para ele precisam ser derrubadas” 16.
N ão há dúvida, no entanto, de que M arx privilegia o estudo do tempo em O
capital, em detrimento do estudo do espaço. O valor é tempo de trabalho social­
mente necessário no mercado mundial, em contraposição à m ultidão de tem pos
concretos produzindo valores de uso. Enquanto o mais-valor é um a coisa, a divisão
da jornada de trabalho entre o tempo de trabalho necessário e o tempo, de trabalho
excedente (e a extensão d a jornada de trabalho, que aumenta o mais-valor abso­
luto) é um a magnitude disputada diariamente, à medida que o capital escamoteia
o máximo de tempo de trabalho extra que pode, por toda sorte de subterfugios
dentro e fora do local de trabalho. E puramente incidental que seja mais fácil para
o capital realizar seus objetivos aprisionando os trabalhadores naquela “casa do
terror” chamada fábrica.
D ois livros recentes de M assimiliano Tom ba e Stavros Tombazos, assim como
um ensaio luminoso de Daniel Bensáfd, discutem detalhadamente como o con­
ceito de tempo opera ñas obras de M arx17. Eles concordam que a temporalidade
no Livro I d ’ O capital é linear e progressiva, como convém a um estudo sobre a
m udança tecnológica perpétua e a acumulação infindável do capital. O tempo no
Livro II é cíclico, como convém a um estudo sobre a reprodução do capital, desde
a valorização, passando pela realização e pela distribuição, até voltar à valorização.
A temporalidade do Livro III é denominada “orgánica”, mas não está totalmente
claro o que isso significa, exceto que é apropriado para compreender o capital
como um a totalidade no fluxo total da transformação evolutiva. Se o Livro III é
considerado urna síntese das perspectivas dos dois volumes anteriores, então sua
temporalidade característica deve ser a de urna espiral. Trata-se de urna figura geo­
métrica que M arx evoca mais de urna vez nos Grundrisse para sublinhar o contraste
com o círculo da reprodução simples do capital: “Ao descrever o seu círculo, o ca­
pital se amplia como sujeito do círculo e descreve assim um círculo que se expande,
urna espiral” 18. Grosso modo, ele se encaixa na-corribinação do movimento linear da
m udança tecnológica (registrada como um aumento cada vez maior na produtivi­
dade do trabalho) com o movimento circular da acumulação perpétua que m olda a


16 Citado em Noam Chomsky, On Power and Ideology (Boston, South End, 1990), p. 14.
17 Massimiliano Tomba, Marx’s Tempomlities (Chicago, Haymarket Books, 2014); Stavros Tomba­
zos, Time in Marx, cit.; Daniel Bensai'd, M arxfor Our Times, cit.
18 Karl Marx, Grundrisse, cit., o. 624.
Free download pdf