A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
O espaço e o tempo do valor / 139

força de trabalho. A proibição universal do trabalho infantil enfrenta definições
diferentes em diferentes sociedades sobre o m om ento em que a infância acaba.
A antropologia capitalista, notou M arx, determinava que a infância terminava
aos dez anos! A criação de um a força de trabalho assalariada exige que os traba­
lhadores se subm etam a regimes disciplinares espaçotemporais difíceis de incul­
car, a não ser por coerção e violencia. A taxa ideal de exploração de um recurso
natural com o o petróleo será m uito diferente se considerada da perspectiva do
tem po geológico, em com paração com um a tem poralidade econôm ica definida
pela taxa de lucro. Q ualquer cálculo baseado nesta últim a estará profundamente
em desacordo com a concepção do tem po e do espaço necessários para enfren­
tar o aquecim ento global. A diversidade de construções culturais e religiosas de
tem po e espaço tem sido m uito estudada e comentada. Visões apocalípticas que
proclam am que o fim está próxim o se contrapõem a um a teleologia progressista
que proclam a a inevitabilidade do com unism o ou a chegada a algum a outra
terra prom etida no futuro. C osm ologías indígenas são radicalmente diferentes
dos discursos científicos m odernos a respeito das origens do tem po-espaço do
universo. A concepção d o tem po e do espaço desde o cristianismo prim itivo até o
feudalism o tardio era m uito diferente da surgida com o capitalismo. Até mesmo
a nossa compreensão científica é instável. N a física, as noções de espaço e tempo
evoluíram do paradigm a newtoniano ao espaço-tempo relacionai implícito na
mecânica quântica de N iels Bohr, passando pela relatividade de Einstein.
D iante de toda essa diversidade, um a concepção de espaço e tempo - tal como
o tem po marcado pelo relógio e o espaço euclidiano cadastral - pode vir a dominar
a vida econômica diária. Se não fosse assim, assinalou Simmel, não se podería coor­
denar, planejar nem regular nada. Algo tão simples como um horário de ônibus,
trem ou avião não podería ser especificado. A variedade de tempos locais em dife­
rentes espaços tinha de ser reduzida por um acordo internacional a um sistema de
fusos horários para facilitar a comunicação e o comércio21. A circulação e a acumu­
lação de capital também moldaram e remoldaram as definições de tempo e espa­
ço. O tempo-espaço dos mercados financeiros contemporâneos é completamente
diferente daquele que existia em 1848. O capital, sendo a força revolucionária que
patentemente é, transformou os marcos espaciais e-temporais d a vida cotidiana, o
cálculo econômico, a administração burocrática e as transações financeiras. Acele­
ração dos tempos de rotação, precarização do trabalho ao longo da vida do traba­
lhador e redução nos atritos espaciais produziram alterações tanto nos estilos de
vida quanto nos ritmos de acumulação do capital. Em bora os momentos sejam os


Stephen Kern, The Culture ofTime and Space, 1880-1918 (Londres, Weidenfeld and Nicolson,
19831.

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