A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
158 / A loucura da razão econômica

equivalente universal (como faz hoje o dólar estadunidense) será nao apenas perpe­
tuamente desafiada, como também inerentemente instável.
Isso poderia ter sido facilmente teorizado por M arx, se ele tivesse se dado a esse
trabalho. C o m o vimos, o valor surge no decorrer das práticas de troca mercantil. As
trocas que começam com escambo postulam tantas formas de valor quanto hou­
ver tem pos de trabalho concreto embutidos nas mercadorias produzidas. Imagine
esse processo proliferando em determinado território, de tal m odo que um a forma
particular de dinheiro se destaque para representar a média de todos os tempos de
trabalho no interior daquele território. U m a form a de trabalho abstrato ou um
tempo de trabalho socialmente necessário consolida-se em todos os espaços do
território. N ão é muito difícil imaginar esse processo em dois territórios vizinhos,
porém isolados, cada qual produzindo seu próprio regime de valor.
É da natureza do capital “dissolve [r] seus laços puramente locais” e “rompe [r]
as barreiras individuais e locais da troca direta de produtos” 14. O comércio terá
início entre territórios diferentes com regimes diferentes de valor representados por
sistemas monetários diferentes. O impulso inerente ao capital de criar o mercado
mundial descrito no M anifesto Comunista e nos Grundrisse torna-se, em O capital,
o impulso para a permutabilidade universal. Isso implica a criação de um equiva­
lente universal, que, “por meio de hábito social [...] amalgamou-se definitivamente
à form a natural específica d a mercadoria ouro” 15. M as a conclusão desse processo
depende d a remoção de todas as barreiras ao comércio, inclusive aquelas decor­
rentes dos custos de transporte. Ainda que esses custos sejam significativamente
reduzidos, no todo ou em parte (em especial no que diz respeito à hipermobilidade
da forma-dinheiro), é impossível zerar todos os custos de circulação.
M arx compreendeu claramente as contradições embutidas em qualquer forma
universal de dinheiro. E fácil perceber como essas contradições se aplicam ao ouro,
mas o mesmo não vale para o dólar estadunidense enquanto moeda global de reser­
va. C o m efeito, a produtividade total do trabalho concreto privado produzindo va­
lores de uso no interior da economia estadunidense é considerada representativa do
trabalho abstrato realizado no cenário mundial, mas a convenção social que aceita as
manipulações dos Estados Unidos não está garantida. Q uando a produtividade total
do trabalho nos Estados Unidos cai abaixo, digamos, daquela do Japão e da Alema­
nha Ocidental (como ocorreu nos anos 1980), por que devemos recorrer ao dólar
estadunidense para representar os valores? N ão há fundamento estável para o equi­
valente universal. A evolução dos diferentes regimes de valor ocorre num contexto
de mudanças imprevisíveis nos valores relativos das principais moedas do mundo.


14 Ibidem, p. 163 e 186.
15 T k ;,U ™ ~ i á*
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