A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
184 / A loucura da razão econômica

e desejos, um estilo de vida totalmente novo, na população em geral. Para susten­
tar a dem anda efetiva, era necessário criar empregos bem remunerados. Instados
pelo aparato estatal, o trabalho e o capital chegaram a um acordo incômodo em
que um a classe trabalhadora branca obtinha ganhos econômicos, ao passo que as
minorias eram excluídas. As décadas de 1950 e 1960 foram, em muitos sentidos,
os anos dourados da acumulação de capital nos Estados Unidos: altos índices de
crescimento, uma situação satisfatória para certa classe trabalhadora branca - ainda
que a ascensão de um poderoso movimento a favor dos direitos civis e a eclosão
de levantes em cidades centrais demonstrassem que a situação não estava nada
boa para as populações afro-estadunidenses e imigrantes, empobrecidas e margi­
nalizadas. M as, durante quinze anos ou mais, o problema da superacumulação foi
resolvido dessa maneira. Conform e teria dito o presidente do Federal Reserve de
São Francisco, os Estados fin id os “saem das crises construindo casas e enchendo-as
de coisas”23. M as, como se tornou evidente na onda de execuções hipotecárias de
2007-2008, também é assim que o capital se mete em crises.
Um exemplo semelhante de uso da urbanização para resolver problemas econô­
micos e políticos ocorreu na Paris do Segundo Império24. A crise econômica de 1848
levou a revoluções da burguesia e da classe trabalhadora. Ambas fracassaram, e Luís
Bonaparte (sobrinho de Napoleão Bonaparte) foi eleito presidente com a promessa
de fazer com que a França voltasse a ser uma grande nação. Ele assumiu poder ab­
soluto com um golpe de Estado em dezembro de 1851 e declarou-se imperador em



  1. A rm ou imediatamente um a rede de espiões e polícias secretas para controlar e
    se informar sobre toda e qualquer oposição. M as sabia que não duraria muito no po­
    der, se não conseguisse fazer o trabalho e o capital voltarem a trabalhar. Admirador
    das teorias utopistas de Saint-Simon, iniciou projetos de obras públicas baseados em
    capital associado e levou Haussmann para supervisionar a reconstrução de Paris. Em
    pouco tempo, capital e trabalho estavam sendo plena e lucrativamente empregados
    na criação de novos bulevares, parques, lojas de departamentos, redes de água po­
    tável, sistemas de esgoto e afins. A vida cotidiana foi transformada em consumismo
    burguês; os cafés, os salões de música e os espetáculos urbanos (como os desfiles de
    m oda nos bulevares) floresceram. Ainda hoje podemos sentir as consequências desse
    esforço de transformação urbana quando atravessamos os bulevares de Haussmann,
    sentamos nos cafés ou bebemos água de torneira no centro de Paris.
    M as a dimensão e a velocidade dessas mudanças não chegaram aos pés da re­
    construção de Robert M oses nos Estados Unidos, depois de 1945, e são insigni-


23 Binyamin Appelbaum, “A Recovery that Repeats its Painful Precedents”, The New York Times, 28
jul. 2011.
24 D avid Harvev. Paris, r/ih ita l da. randaraidadr. rir

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