A loucura da razão econômica / 193
natureza pertencem a ele e se originam dele, porque é o capital que lhes confere
significado. Até m esmo a mente e as funções corporais do trabalhador, assim como
todas as forças naturais livremente investidas na produção, aparecem como poderes
contingentes do capital, porque é ele que as mobiliza. A alienação da relação com a
natureza e com a natureza humana é, portanto, uma precondição para a afirmação
da produtividade e dos poderes do capital. Além disso, a produtividade do trabalho
é conduzida por tecnologias escolhidas pelo capital não apenas para confirmar seu
controle sobre o trabalhador mas também para minar a dignidade e os supostos
poderes do trabalho tanto na produção quanto no mercado. A não ser que alguma
resistência seja efetivamente mobilizada, o destino dos trabalhadores será o tra
balho desprovido de sentido, empregos contingentes, desemprego e salários cada
vez mais baixos. N ão há dúvida de que em muitas partes do globo a alienação do
trabalho vem se intensificando e aprofundando com as transformações tecnoló
gicas, a supressão do poder organizado dos movimentos da classe trabalhadora
e a mobilização da concorrência global por meio da reorganização dos regimes
territoriais de valor no mundo. O desemprego e, não menos importante, o subem-
prego e a perda de sentido são subprodutos das fortes correntes de transformação
tecnológica e organizacional. O s discursos utópicos sobre as novas configurações
tecnológicas baseadas em inteligência artificial que estão nos conduzindo ao limiar
de um admirável mundo novo de consumismo emancipatório e tempo livre para
todos ignoram completamente a alienação desumanizante dos processos de traba
lho residuais e dispensáveis que decorrem desse processo. É impossível ignorar os
efeitos coletivos traumáticos e destrutivos do fechamento de indústrias manufatu-
reiras sobre os laços sociais que uniam as pessoas em determinado tempo e espaço.
Marx, por sua vez, considerava que era preciso traçar um a importante distinção
entre trabalhadores que eram objetificados e explorados pelo capital, mas ainda
sentiam que eram necessários (portanto mantinham certo orgulho e dignidade), e
os trabalhadores que eram alienados, despossuídos e se sentiam descartáveis38. As
condições de emprego decorrentes da mecanização e da automação tendiam para
esse segundo tipo de trabalho. A perda da dignidade e do respeito é sentida quase
tão duramente quanto a perda do emprego.
M as há outras dimensões nesse problema. Trabalhadores são contratados indi
vidualmente e competem entre si por oportunidades de emprego. Eles precisam se
vender ao capital como portadores de força de trabalho alardeando suas qualidades
e ao mesmo tempo diminuindo e depreciando as de seus concorrentes. A concor
rência entre trabalhadores frustra a cooperação e impede a construção de solidarie-
dades de classe. Introduz toda sorte de fragmentações. O s trabalhadores passam a
38 Karl Marx, Grundrísse, cit.