A loucura da razão econômica / 197
A política envolvida na extração de riqueza no m om ento da realização é dife
rente daquela gerada em torno da produção. E difícil teorizar e organizar essas lu
tas. N ão se trata de capital contra trabalho, e sim de capital contra todo o m undo,
não entre trabalho e capital, e sim entre compradores e vendedores. A população
de classe média é compradora e se envolve em lutas (às vezes do tipo “not in my
backyard”*) contra comerciantes extorsivos. Será que a classe trabalhadora procura
aliados na classe média contra os especuladores imobiliários? A política da reali
zação é tão robusta e atormentada quanto a da valorização, embora tenham uma
estrutura diferente e correspondam a formas diversas de alienação. N o final das
contas, movimentos revolucionários como a C om una de Paris em 1871 ou M aio
de 68 às vezes são tão tributários de um a burguesia radicalizada e alienada que se vê
impedida de realizar seus sonhos e ambições quanto das classes trabalhadoras. M as
organização interclassista pode ser difícil e, frequentemente, frustrante. A crescente
proeminência da acumulação por espoliação (em primeiro lugar, as perdas maciças
provocadas pela recente crise de execuções hipotecárias) aprofunda o desespero e o
descontentamento de muitos setores da população44.
M uita riqueza é extraída pelo capital na realização, e ainda mais é sugada por
ele na distribuição. A forma mais flagrante de redistribuição transparece na dim i
nuição da participação do trabalho no produto nacional em boa parte do m undo e
no fato de os trabalhadores, em particular nos últimos tempos, não terem recebido
nenhum benefício com o aumento da produtividade. Ao contrário, com a transfor
mação tecnológica, os trabalhadores sofreram desemprego e rápida deterioração da
qualidade do trabalho. A passagem do trabalho produtivo para o trabalho impro
dutivo, acompanhada de uma burocratização excessiva do Estado e das empresas,
não ajudou. As crescentes desigualdades de renda e de riqueza registradas em quase
todo o m undo capitalista (com raras exceções) somam-se ao conjunto de forças que
formam profundos descontentamentos políticos45.
A política e os mecanismos de outras redistribuições são, no entanto, muito di
ferentes, e as consequentes alienações que surgem são tão complexas que exigiríam
um livro só sobre elas. As diferentes facções do capital — comerciantes, financistas,
* “Not in my backyard” é uma expressão que pode ser traduzida literalmente por “não em meu
quintal”. Ela é usada para se referir às práticas de oposição a determinados projetos que possam
afetar seu entorno geográfico. Tais movimentos são geralmente protagonizados por associações de
moradores combatendo, por exemplo, a verticalizaçáo do bairro ou a construção de instalações
públicas que, no seu entender, acarretariam a desvalorização real ou simbólica da região. (N. T.)
44 Saskia Sassen, Expulsions: Brutality and Complexity in the Global Economy (Cambridge, Belknap,
2014).
45 Thomas Piketty, O capital no século XXI (trad. Monica Baumgarten de Bolle, São Paulo, Intrínsc-