A visualização do capital como valor em movimento / 33
esteja. Essa força motriz podería derivar de mudanças públicas de vontades, neces
sidades e desejos de valores de uso. Enquanto Marx tendia a ver o estado das von
tades, necessidades e desejos como “consumo racional”, conforme definido pelo
capital, pode haver circunstâncias em que o caso seja outro. Por exemplo, quando
uma parte significativa da população (trabalhadores ou burgueses, não importa)
expressa o desejo de estabelecer uma relação diferente com a natureza, em que a
degradação ambiental, a extinção de hábitats e as mudanças climáticas que resul
tam das práticas capitalistas realmente existentes podem ser revertidas, o processo
geral de acumulação de capital pode ser forçado a seguir caminhos alternativos. Se
essas vontades, necessidades e desejos forem apoiados pela capacidade de pagar (e
aqui os incentivos e subsídios estatais podem fazer a diferença), proteção ambiental
e energias renováveis podem começar a substituir os combustíveis fósseis.
Marx não considerou questões desse tipo, mas a visão construída com base em
seu pensamento pode ser facilmente adaptada para levar em conta questões como
essas. Ademais, o Estado pode se tornar uma força motriz na acumulação, na medi
da em que tem uma influência poderosa sobre a demanda efetiva por equipamento
militar, tecnologias de policiamento e vigilância e uma variedade de instrumentos
de controle social, para não falar das demandas de administração e governança. Essa
influência pode ser tão grande que, em certos períodos históricos, alguns analistas
preferiram apontar o keynesianismo militar como a principal força motriz da acumu
lação. O Estado também tem cumprido um papel decisivo na promoção de inova
ções e mudanças tecnológicas. Lutas políticas e sociais acerca da realização de valores
são abundantes, mas possuem estrutura e significado sociais um tanto diferentes dos
das lutas clássicas em torno da valorização. Isso ocorre porque a relação social básica
que prevalece no momento da realização se dá entre compradores e vendedores, não
entre capital e trabalho, como ocorre no momento da valorização.
Da mesma forma, é difícil ignorar as lutas políticas e sociais que ocorrem no
campo geral da distribuição. Mas, para levar a sério essa questão, devemos ir muito
além de Marx, que confinou sua análise ao modo como essas formas distributivas po
deríam e deveríam existir dentro de uma forma pura de capitalismo. Uma perspectiva
mais dinâmica enxerga os capitalistas rentistas, comerciais e financeiros como blocos
de poder distintos, agindo segundo seus próprios interesses, buscando apropriar-se do
máximo de valor que puderem. A grande questão que se segue é esta: que incentivo
comerciantes, financistas e proprietários de terras têm para reinvestir na valorização,
se vivem muito bem de pernas para o ar, desfrutando de ganhos duvidosos, à custa
dos que se dão ao trabalho de participar da produção? Por que alguém se preocuparia
em participar da produção, se pudesse viver de renda fundiária?
É aqui que a forma particular tomada pela circulação do capital portador de
juros desempenha um papel decisivo. Pela criação de endividamento — que inclui