A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1

40 / A loucura da razão econômica


nitiva da circulação do capital organizada a partir da perspectiva da realização e
da transformação em forma-dinheiro. E necessário, portanto, reconstruir algumas
idéias de Marx através do estudo de outros escritos relevantes. Os Grundrisse, por
exemplo, estão cheios de idéias preliminares que precisam ser reunidas com as
idéias preliminares do Livro II. Mas idéias preliminares somadas a idéias prelimi­
nares não produzem necessariamente um resultado definitivo. O melhor que pode­
mos fazer é tentar adivinhar o que teria sido dito caso o livro tivesse sido concluído.
É mais fácil descobrir o que acontece quando abandonamos as pressuposições de
Marx do que tentar adivinhar o que está faltando na explanação.
O Livro II se inicia com uma decomposição da circulação do capital em três
circuitos: capital produtivo, capital-mercadoria e capital-dinheiro, embora uni­
ficados no circuito maior que Marx denomina “capital industrial”. Capitalistas
industriais individuais precisam desempenhar as três funções, às vezes conflituo­
sas, de produtor, comerciante e gestor de dinheiro. Isso prefigura a fragmenta­
ção do capital em diferentes facções (produtores, comerciantes e financistas em
particular) do Livro III. O ponto principal da análise de Marx é demonstrar que
as condições para a realização do valor na forma-dinheiro dependem do êxito
da passagem do capital pelos momentos de valorização e produção de mercado­
rias. O mesmo vale para a reprodução do capital produtivo e para a reprodução
do capital-mercadoria. Todos são interdependentes e interligados, mas ao mesmo
tempo são formas autônomas. O capitalista industrial precisa cuidar de todos os
três momentos do processo de circulação. Embora Marx não o diga, há uma série
de exemplos de capitalistas que são geniais quando se trata de organizar a produ­
ção, mas que fracassam miseravelmente quando têm de compreender o dinheiro
ou o lado comercial das coisas.
Os primeiros quatro capítulos enfatizam a necessidade de um fluxo contínuo
de capital no decurso dos processos de valorização na produção e realização no
mercado, seguidos do reinvestimento do capital-dinheiro. A tendência do capital
a realizar revoluções tecnológicas e organizacionais torna-se uma força disruptiva.
Talvez esse seja um dos motivos pelos quais Marx deixa as inovações de lado e
pressupõe uma tecnologia constante. Teria sido muito difícil, se não impossível,
estudar as condições de continuidade da produção e da circulação com as trans­
formações tecnológicas exercendo uma força tão poderosa e imprevisível sobre tal
continuidade. O efeito geral da análise de Marx é decompor o fluxo do capital
em três cursos distintos (análogos às diferentes formas de precipitação no ciclo
hidrológico) com características muito diferentes. Por exemplo, via de regra o
dinheiro é mais geograficamente móvel do que mercadorias e ambos são mais
geograficamente móveis do que a produção. Isso tem implicações importantes
para a compreensão do papel da financeirização na globalização. Marx se refere ao

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