A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
O capital 1 49

não necessariamente para atividades produtivas: se for possível obter lucro da espe­
culação imobiliária, os bancos concederão empréstimos para a compra de terrenos
e imóveis (como fizeram no atacado entre 2001 e 2007 nos Estados Unidos). “Aqui
se completam a forma fetichista do capital e a ideia do fetichismo do capital.”11 O
que Marx quer dizer com isso é que o sistema financeiro responde necessariamente
aos sinais de dinheiro e lucro nos diferentes campos de distribuição que podem
desviar a atividade capitalista da criação de valor e orientá-la para canais não pro­
dutivos. Bancos podem emprestar para outros bancos, para empresas imobiliárias
ou fundiárias, capitalistas comerciais e consumidores (burgueses ou classe trabalha­
dora, não importa), bem como ao Estado (a dívida pública é enorme).
O resultado é um mundo daquilo que Marx denomina circulação de “capital
fictício”12. Bancos alavancam financeiramente seus depósitos para emprestar ativos
que eles de fato possuem. Esses empréstimos podem ser três vezes ou, em períodos de
“exuberância irracional”, até trinta vezes maiores do que os ativos depositados. Isso é
criação de dinheiro acima e além da quantia necessária para dar conta da produção
e da realização de valor. Essa criação de dinheiro assume a forma de dívida, e dívidas
são uma reivindicação sobre a produção futura de valor. Uma acumulação de dívi­
das ou é liquidada por uma produção futura de valor ou é desvalorizada no decurso
de uma crise. Toda a produção capitalista é especulativa, é claro, mas no sistema
financeiro essa característica é exacerbada, transformando-se em fetiche supremo. Os
financistas, diz Marx, possuem “o agradável caráter híbrido de vigaristas e profetas”13.
O capital fictício pode ser realizado ou não pela valorização e realização em data
posterior. No topo do sistema financeiro e monetário global estão os bancos centrais,
com o poder aparentemente infinito de criar dinheiro, independentemente do estado
da produção de valor. Como isso se encaixa na teoria da circulação e acumulação do
capital e na exigência de valorização e realização?
Crédito e dívida possuem inúmeras formas pré-capitalistas, porém, como no
caso dos comerciantes e dos proprietários de terras, Marx está interessado na forma
particular que os instrumentos de crédito assumem na circulação do capital. A
ascensão do capitalismo revolucionou os conceitos de crédito e dívida (uma revo­
lução que David Graeber não assinala em sua história da dívida)14. Na época de
Marx, essa forma distinta estava crescendo e se modificando rapidamente. Empre­
sas de capital aberto e novos instrumentos de crédito ainda estavam em formação.


11
12
13
14

Ibidem, p. 442.
Ibidem, cap. 25.
Ibidem, p. 500.
David Graeber, Debt: Updated and Expanded -
Melville Books, 2014).

The First 5,000 Years (ed. atual, e ampl., Brooklyn,
Free download pdf