A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
O dinheiro como representação do valor 161

como condição fundam ental para a produção fundada sobre o capital em um grau
m uito diferente do que em todas as formas de produção precedentes. [...]. Em conse­
quência, para a produção fundada no capital aparece como algo contingente se [essa]
sua condição essencial é criada ou não [...]. O crédito é a superação dessa contingência
pelo próprio capital. [...]. Razão pela qual o crédito, em qualquer forma desenvolvida,
não aparece em nenhum m odo de produção anterior. Em estados anteriores também
havia tom ar e conceder em préstim o, e a usura é até mesmo a m ais antiga das formas an­
tediluvianas do capital. Todavia, em prestar e tom ar emprestado não constitui o crédito,
da m esm a m aneira que trabalhar não constitui o trabalho industrial ou o trabalho assa­
lariado livre. Com o relação de produção essencial e desenvolvida, o crédito só aparece
historicamente na circulação fundada sobre o capital ou sobre o trabalho assalariado. (O
próprio dinheiro é um a form a de abolir a desigualdade do tempo requerido nos diversos
ramos de produção, visto que tal desigualdade obstrui a circulação.)5

A qualidade particular tanto do dinheiro quanto do crédito em um modo de
produção capitalista é garantir a continuidade do movimento do capital como valor
em movimento. Inversamente, a necessidade de garantir essa continuidade reúne
as categorias de dinheiro, crédito e valor em uma configuração histórica específica.
O primeiro capítulo d’O capital é uma lição prática de como estudar questões
desse tipo. Marx observa que os economistas políticos clássicos se basearam em um
passado ficcional, o do mito de Robinson Crusoé, para “naturalizar” suas catego­
rias como se brotassem de um estado de natureza (e, por isso, fossem imutáveis,
eternas e inabaláveis). Marx prefere examinar as sociedades pré-capitalistas, para
ressaltar que as categorias estão inseridas em processos históricos reais, não sendo
derivadas de narrativas ficcionais. “Saltemos, então, da iluminada ilha de Robin­
son para a sombria Idade Média europeia”6, escreve. Ele examina brevemente as
relações e categorias sociais típicas do trabalho feudal: a corveia e a “indústria rural
e patriarcal de uma família camponesa”. Mas em seguida faz uma triangulação,
por assim dizer, sobre as especificidades do capital hoje, imaginando como seriam
essas categorias no capitalismo transcendido. Ele usa o passado pré-capitalista e o
fu tu r antérieur do comunismo como pontos de apoio para compreender a natureza
particular do capital (bem como as qualidades do dinheiro e do crédito) hoje. O
fu tu r antérieur não é um imaginário utópico sobre o que poderá acontecer, mas
uma especificação daquilo que é preciso ocorrer para chegarmos ao comunismo.
“Por fim, imaginemos uma associação de homens livres, que trabalham com meios
de produção coletivos e que conscientemente despendem suas forças de trabalho


5 Ibidem, p. 441-2.
6 Idem, O capital. Livro I, p. 152.
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