A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1

62 / A loucura da razáo econômica


individuais como uma única força social de trabalho.”7 Sob tais condições desalie­
nadas, as “relações sociais dos homens com seus trabalhos e seus produtos de tra­
balho permanecem aqui transparentemente simples, tanto na produção quanto na
distribuição”8. Nesse mundo não há mão invisível do mercado nem leis de movi­
mento por trás de nós limitando nossas liberdades, e certamente não há comando
estatal. É a partir da perspectiva do antes e do depois que Marx vai além do “véu”
do que ele denomina os “fetichismos” que permeiam não apenas os escritos dos
economistas políticos mas também as representações deturpadas do senso comum
sobre a troca de mercadorias em mercados com mecanismos de determinação de
preços. O dinheiro é o exemplo supremo de tal fetichismo. Acreditamos que o
dinheiro possui poder social sobre nós e sobre os outros e, evidentemente, em
certo sentido ele de fato o possui (e esse é o ponto-chave da teoria do fetichismo
de Marx: ele é real, mas equivocado).
Então como devemos compreender a relação dialética entre o valor e sua re­
presentação como dinheiro? Essa era uma questão política muito controversa no
tempo de Marx. No fim da década de 1840, muito antes de elaborar muitas das
idéias centrais d’O capital, Marx se viu politicamente em desacordo não apenas
com os socialistas ricardianos na Inglaterra mas sobretudo com a imponente figura
de Proudhon, que tinha muitos seguidores entre os artesãos franceses. Proudhon e
seus seguidores levantaram a seguinte questão, perfeitamente razoável: como é que
os capitalistas são tão ricos e as classes trabalhadoras são tão pobres, se os principais
economistas políticos da época — em especial David Ricardo - insistiam que o valor
econômico era produzido exclusivamente pelo trabalho?
Proudhon concluiu que a culpa estava na forma pela qual o valor do trabalho
era representado no mercado. A irracionalidade do dinheiro e da troca mercantil
seria o xis da questão. O que era preciso, sugeria, era uma forma alternativa de
mensurar o valor do trabalho e determinar os preços, uma forma que repousasse
diretamente sobre o tempo que os trabalhadores efetivamente despendiam produ­
zindo um produto. Os trabalhadores deveriam ser pagos em bônus-horários, horas
de trabalho ou até mesmo moedas que designassem a quantidade de horas de tra­
balho efetivamente cumpridas. O movimento proudhonista pretendia reestruturar
o sistema monetário, organizar a oferta de crédito gratuito, reformar o sistema
bancário central e criar instituições de crédito mútuo para resolver o problema da
desigualdade social e restaurar os direitos do trabalho.
Marx contestou veementemente essas idéias em A miséria da filosofia (pu­
blicado em 1847). A primeira parte dos Grundrisse, os manuscritos inéditos de


7 Ibidem, p. 153.
8 Idem.
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