A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
O dinheiro como representação do valor / 67

nenhuma delas, enquanto permanecerem formas do dinheiro e enquanto o dinheiro
permanecer uma relaçáo social essencial, pode abolir as contradições inerentes à relação
do dinheiro, podendo tão somente representá-las em uma ou outra forma.20

Da mesma maneira que:

[n]enhuma forma do trabalho assalariado, embora uma possa superar os abusos da ou­
tra, pode superar os abusos do próprio trabalho assalariado [...] [uma forma de dinhei­
ro] pode ser mais prática, mais apropriada, e envolver menos inconvenientes do que
outras. Mas os inconvenientes que resultam da existência de um instrumento de troca
particular, de um equivalente particular e ainda assim universal, teriam de se reproduzir
em qualquer forma, ainda que de modo diferente.21

A ascensão e adaptação do sistema de crédito é um exemplo manifesto daquilo
de que Marx está falando aqui. Inicialmente, práticas de longa data foram adap­
tadas para lidar com o problema do entesouramento excessivo ligado a tempos
muito diferentes de rotação do capital, formação de capital fixo e investimentos
de longo prazo em meios de consumo coletivos. Mais recentemente, o capital
portador de juros se tornou uma força motriz independente e poderosa de acumu­
lação por conta própria. O resultado não foi a emancipação humana da vontade
e da necessidade, mas uma eficiência crescente da circulação e da produção de
mais-valor, à custa de índices cada vez maiores de servidão por endividamento e
alienação progressiva na política da vida cotidiana.
As tecnologias das formas e usos do dinheiro foram revolucionadas diversas
vezes ao longo da história do capital. Isso coloca de fato alguns problemas interpre­
tativos. Como fica, por exemplo, a teoria do valor do trabalho quando os bancos
centrais praticam a flexibilização quantitativa ou quando a criação de crédito no
sistema bancário parece tão fora de controle? Em uma economia especulativa, co­
mo fica a disciplina supostamente imposta pelos valores sobre as formas do dinhei­
ro? Tecnologias bancárias eletrônicas e dispositivos de blockchain (o pioneiro foi o
bitcoin, mas outros estão sendo ativamente desenvolvidos pelos bancos) indicam
que revoluções na forma monetária podem estar ocorrendo e, por mais que não
mudem as relações de valor subjacentes, devemos monitorá-las para compreender
suas implicações para as relações sociais22. Marx reconheceu a existência de tais pro­
blemas. Para chegar a uma resposta, ele retornou aos alicerces de suas investigações.


20 Ibidem, p. 75.
21 Ibidem, p. 75 e 78.
22 Anitra Nelson e Frans Timmerman (orgs.), Life Without Money: Building Fair and Sustainable
Economies (Londres, Pluto, 2011).
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