Antivalor: a teoria da desvalorização / 85
Embora Marx tenha toda a razáo em considerar a luta contra o capital na esfera
oculta da produção uma modalidade diferente e, portanto, com um significado
político mais profundo do que as lutas na esfera do mercado, fica claro agora que
a produção não é o único lugar em que o antivalor tem importância. O valor e o
antivalor se relacionam de diversas maneiras na circulação do capital. O papel do
antivalor nem sempre é de oposição. Ele também possui um papel-chave na defi
nição e garantia do futuro do capital. A luta contra o antivalor mantém o capital
sempre alerta, por assim dizer. A necessidade de resgatar o antivalor é uma grande
força propulsora em direção à produção de valor.
A ECONOMIA DO ENDIVIDAMENTO
Isso nos traz ao estudo do papel da dívida como forma crucial de antivalor. As
questões que Marx levanta são como e por que surge o endividamento e qual
seria seu papel em um modo de produção capitalista em perfeito funcionamento.
Consideremos o caso de investimentos de longo prazo em capital fixo. O capital é
usado para adquirir uma máquina, que possui uma vida útil relativamente longa.
A proporção do valor da máquina que é recebida de volta a cada ano ao longo de
sua vida útil precisa ser entesourada (economizada) para que uma nova máquina
seja adquirida e possa substituí-la depois do fim de sua vida útil. O dinheiro ente-
sourado, entretanto, é capital morto e desvalorizado. Antivalor, na forma de capital
negado, acumula-se anualmente até atingir a quantia de dinheiro necessária para se
adquirir uma nova máquina no momento certo17. As economias feitas por consu
midores para comprar itens caros como carros e casas são estruturadas de maneira
semelhante. Grandes quantidades de capital morto (ou de economias em pousio
debaixo do colchão, no caso dos consumidores) são acumuladas. A acumulação
de economias monetárias entesouradas aumenta com a mecanização crescente e o
consumo crescente de bens duráveis. O sistema de crédito vem como resgate. O
dinheiro entesourado para qualquer finalidade pode ser depositado em um banco e
emprestado para outros capitalistas em troca de juros. O capitalista industrial tem
escolha: ele pode contrair um empréstimo para adquirir uma máquina e quitar
a dívida em prestações ao longo da vida útil dessa máquina, ou pode comprar a
máquina à vista e aplicar a depreciação anual no mercado de dinheiro para render
juros até que seja necessário substituir a máquina.
Em ambos os casos, o dinheiro emprestado — a dívida contraída — torna-se
uma forma de antivalor que circula no sistema de crédito como capital portador
17 Karl Marx, O capital, Livro II, cap. 8.