A loucura da razão econônica- David Harvey

(mariadeathaydes) #1
86 / A loucura da razão econômica

de juros. O comércio de títulos de dívida torna-se um elemento ativo no sistema
financeiro. Isso cria maior liquidez e ajuda a contornar os entraves à circulação
contínua que são criados por capitais com tempos de rotação radicalmente dife­
rentes. O dinheiro pode continuar a circular suavemente, ainda que a produção de
mercadorias seja desajeitadamente irregular e frequentemente descontínua. É isso o
que faz do sistema de crédito um elemento tão especial em um modo de produção
capitalista, diferenciando-o de todas as construções anteriores. “A contraposição
entre tempo de trabalho e tempo de circulação contém toda a teoria do crédito”,
assinala Marx. “A antecipação dos frutos futuros do trabalho não é de forma algu­
ma [...] uma consequência das dívidas do Estado etc., em suma, não é nenhuma
invenção do sistema de crédito. Ela tem sua raiz no modo específico de valorizadlo, de
rotado, de reprodução do capitalfixo”ls O sistema de crédito se forma na circulação
do capital. Ele não é imposto de fora.
O papel imediato da intervenção do crédito é ressuscitar o capital-dinheiro
entesourado, portanto “morto”, e tonar a pô-lo em movimento. Mas a dívida é
uma reivindicação sobre a futura produção de valor que só pode ser efetivamente
resgatada pela produção de valor. Se a futura produção de valor for insuficiente
para resgatar a dívida, há uma crise. Colisões entre valor e antivalor provocam cri­
ses monetárias e financeiras periódicas. A longo prazo, o capital tem de enfrentar
reivindicações cada vez maiores sobre os valores futuros para resgatar o antivalor
que se acumula na economia da dívida e do sistema de crédito. Ao invés de uma
acumulação de valores e de riqueza, o capital produz uma acumulação de dívidas
que precisam ser resgatadas. O futuro da produção de valor é comprometido.
O antivalor da dívida torna-se um dos principais estímulos e alavancas para
garantir a futura produção de valor e mais-valor. A visão tradicional e convencional
acerca da origem da energia que move a circulação de capital é sempre a de que ela
vem da busca de capitalistas individuais pelo lucro (ganância). Decerto, a figura
do pequeno empresário ou do bravo empreendedor amarrado pelas regulações do
governo surge com frequência como a imagem heroica daquilo que supostamente
faz do capitalismo um sistema tão dinâmico. Essa evocação é provavelmente muito
mais uma máscara retórica do que uma realidade. Mas a busca por maximizar o
lucro não leva à maximização da produção de mais-valor. Os indicadores de lucro
são enganosos, se não pura e simplesmente errados. Marx mostra que segui-los
pode conduzir a quedas na taxa de lucro e a crises. Duas soluções emergem aqui: a
centralização do capital em grandes corporações para reduzir a concorrência e/ou
intervenções estatais para incentivar a acumulação pela criação de demanda efetiva
e manipulação das condições de realização. O financiamento por venda de títulos 18


18 Idem, Grundrisse, cit., p. 552 e 612.
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