Antivalor: a teoria da desvalorização / 87
de dívida, estatal e privada, torna-se um importante meio de sustentar a continui
dade da produção de valor. Foi o que ocorreu entre 1945 e 1980 em boa parte
do mundo capitalista. O capitalismo competitivo cedeu terreno ao capitalismo
monopolista estatal, e políticas estatais keynesianas criaram incentivos ao merca
do em linhas bastante diferentes, focando a demanda efetiva agregada financiada
por endividamento. Esse sistema enfrentou duas dificuldades. Em primeiro lugar,
segmentos importantes da classe trabalhadora se fortaleceram, e os sentimentos
anticapitalista e antivalor se tornaram evidentes no decorrer dos anos 1960. Em se
gundo lugar, a mudança para uma dependência cada vez maior de financiamentos
baseados em endividamento significou um aumento do poder do antivalor com o
crescimento dos fluxos de capital portador de juros no processo de circulação de ca
pital. O efeito foi o de selar de antemão boa parte do futuro da produção de valor e
comprometer alternativas, a não ser que uma grande ruptura abra uma brecha para
anular a dívida por meio de um calote. Daí a crise da dívida que se criou a partir
de meados dos anos 1970 (iniciada com a falência técnica da cidade de Nova York
em 1975 e proliferando para a crise mundial da dívida, que vem se desenrolando
desde 1982, com o México).
A valorização, a realização e a distribuição sempre estiveram em jogo como
“momentos” (como Marx gostava de denominá-los) independentes, mas interli
gados no interior da totalidade da circulação do capital. A importância relativa
desses momentos tem mudado, porém, conforme as circunstâncias. A mobilização
maciça de antivalor no sistema financeiro para assegurar a produção futura de va
lor é algo relativamente novo. Houve também mudanças geográficas. Até muito
recentemente, a acumulação de capital na China era dominada por investimentos
estatais no consumo produtivo (infraestruturas físicas), mas está em curso uma
transformação dramática, que pode levar à liberação do sistema financeiro. Trans
formações desse tipo colocam problemas para a oposição anticapitalista. Torna-se
cada vez mais difícil dar rosto ao inimigo de classe, à medida que os tentáculos
do endividamento se espalham, envolvendo qualquer um que tenha um cartão de
crédito em mãos.
Inicialmente o capital criou o endividamento como antivalor para solucionar
problemas específicos, como o perigo do entesouramento excessivo quando se lida
com diferentes tempos de rotação do capital em diferentes indústrias. O poder do
antivalor foi usado para liberar todo o valor dormente e garantir a continuidade
tanto quanto fosse possível.
Esse impulso absoluto de enriquecim ento, essa caça apaixonada ao valor é com um ao
capitalista e ao entesourador, mas, enquanto o entesourador é apenas o capitalista insa
no, o capitalista é o entesourador racional. O aum ento incessante do valor, objetivo que