Clipping Banco Central (2020-08-11)

(Antfer) #1

Banco Central do Brasil


Valor Econômico/Nacional - Opinião
terça-feira, 11 de agosto de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

eleitorado ou de autocratas.


Parte dessa história diz respeito a um pêndulo
que nas últimas décadas avançou
demasiadamente para o lado da concentração
das cadeias de fornecimento, tanto geográfica
quanto economicamente. A hiperconcentração
na Ásia das cadeias de fornecimento de baixo
valor produziu empresas que eram eficientes,
mas não necessariamente resistentes, em
particular quando impactadas por desastres
naturais ou eventos políticos inesperados.


A covid-19, por exemplo, expôs as fragilidades
decorrentes do fato de que China e Índia
produzem a grande maioria dos insumos
farmacêuticos do mundo. Na verdade, o
relatório do MGI encontrou 180 casos de
produtos comercializáveis essenciais nos quais
mais de 70% das exportações vêm de um só
país. A concentração é maior na área de
equipamentos de comunicação e telefonia
móvel, uma das frentes politicamente mais
delicadas no momento. Também é comum em
setores de perfil menos polêmico, como o de
roupas e outros produtos têxteis.


Isso coloca em evidência outro desdobramento:
agora estamos vivendo em um mundo no qual
duas superpotências, com sistemas
econômicos e políticos muito diferentes, são
tanto grandes produtores quanto grandes
consumidores. O crescimento dos salários na
China aumentou o poder de compra dos
consumidores chineses, mas também
aumentou as chances de que a produção de
mercadorias de baixo valor, como móveis ou
roupas, seja transferida a outros países.


Ao mesmo tempo, a ascensão da China e a
forma como ela protege áreas de importância
estratégica, incluindo o setor de tecnologia, têm
contribuído para os atritos inerentes quando se
tem “um mundo e dois sistemas”. Esse


problema foi exacerbado pelas políticas
unilaterais de comércio exterior de Trump.

Nos últimos 20 anos, a China se tornou um
país muito mais rico. Não tem apenas uma
enorme base industrial, mas também
consumidores mais ricos, que cada vez mais
compram marcas locais — como telefones da
Xiaomi em vez da Apple. Quando os EUA
dificultam que fabricantes chineses façam
negócios nos EUA, eles semudam para outros
países.

Uma firma chinesa de tecnologia de serviços
financeiros — que atende mais de 600 mil
fornecedores na China, em sua maioria
pequenos e médios — com quem falei
recentemente diz que houve uma clara
mudança nos negócios. Nos últimos dois anos,
a firma passou a ter menos clientes nos EUA e
mais na Europa, que agora é cerca da metade
do fluxo da plataforma. É possível imaginar que
dois ecossistemas de consumidores e
produtores inteiramente separados poderiam
emergir, um centrado nos EUA e outro na
China — mesmo se o caminho para chegar a
isso for doloroso e repleto de buracos.

Mas o comércio exterior, de qualquer forma, já
está ficando um caminho mais esburacado. “À
medida que um mundo multipolar toma forma,
estamos vendo mais disputas comerciais,
tarifas [de importação] mais altas e maior
incerteza geopolítica”, destaca o relatório do
MGI. “A proporção do comércio global realizada
por países ranqueados na metade de baixo da
estabilidade política no mundo, de acordo com
a classificação do Banco Mundial, subiu de
16% em 2000 para 29% em 2018. Tão
revelador quanto isso é o fato de que quase
80% do comércio envolve nações cujas notas
de estabilidade política estão em queda”.

As placas tectônicas do comércio internacional
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