02 A BOLA
Sábado
1 de agosto de 2020
Futebol
TAÇA DE PORTUGAL
A Taça ainda não era Taça
e em Coimbra gritou-se:
«lá nos mataram o Hall!»
Em estádio despido, Benfica e FC Porto voltam à cidade onde disputaram primeiro jogo oficial
dCom a décima final entre eles em pano de fundo, espante-se com o que aconteceu em 1931
P
ROVA rainha do futebol em
Portugal, a Taça vai ter pela
primeira vez o que nunca
teve: bancadas despidas de
gente — na décima final en-
tre o Benfica e o FC Porto (com ape-
nas uma vitória portista, nelas). Des-
de que há Estádio Nacional só por
cinco vezes o palco fugiu do Jamor
(quatro para as Antas, uma para Al-
valade) — pelo que a Taça também vai
ter pela primeira vez o que nunca
teve: Coimbra a recebê-la. Aliás, não
— porque, quando a Taça de Portu-
gal se chamava Campeonato de Por-
tugal, foi em Coimbra que Benfica e
FC Porto disputaram o seu primeiro
jogo oficial (para ver quem lhe ganha-
va a edição de 1930/1931).
Andando de polémica a arder com
a AFL, o primeiro título nacional da
sua história ganhara-o o Benfica no
Campo Grande — batendo, na final
de 1929/1930 do Campeonato de
Portugal o Barreirense (dos fabulosos
irmãos Pireza) por 3-1 — e, no ano se-
guinte, foi em Coimbra que revalidou
tendo, como agora, o FC Porto do ou-
tro lado — só lá estando porque a FPF
não admitiu que a AFL o castigasse
com um ano de suspensão.
Em guerra com o Benfica por cau-
sa de um protesto no Campeonato
de Lisboa, a AFL entrou, igualmen-
te, em quezília com a FPF por causa
de dinheiros em jogo nos desafios de
Portugal com a Checoslováquia e a
Itália. Em contra-ataque, a associa-
ção deu, então, aos seus clubes or-
dem para que boicotassem o Cam-
peonato de Portugal. Ávila de Melo,
presidente do Benfica, não discordou
mas não querendo tomar por si a de-
cisão, levou-a a AG — e o que de lá
saiu foi: «Seria imoral que o Benfica
não fosse defender em campo o tí-
tulo de campeão que detém, por isso
vamos.» Desautorizado, Ávila de
Melo demitiu-se de presidente — e
indo para o seu lugar Manuel da Con-
ceição Afonso, encadernador da Im-
Por
ANTÓNIO SIMÕES
prensa Nacional, anarca e sindicalis-
ta. «Ofendida» pela inscrição do
Benfica no Campeonato de Portu-
gal, a AFL suspendeu o clube por um
ano, o mesmo fazendo ao Casa Pia AC
(que se solidarizara com os benfi-
quistas) — e os demais clubes de Lis-
boa cortaram relações com ambos.
A FPF avisou que o Benfica e o Casa
Pia AC não estavam nada suspensos
— porque a AFL «não poderia cas-
tigar», castigando-a a ela, com pena
de suspensão. Nos oitavos de final, o
FC Porto afastou o Casa Pia e o Ben-
fica penou para se livrar do Olha-
nense. Na primeira mão, nas Amo-
reiras — vitória por 5-1. Em Olhão —
derrota por 0-2. O desempate fez-se
em Setúbal — ao fim dos 90 minu-
tos havia 1-1. No prolongamento,
mal o Olhanense fez o 2-1, o árbitro
deu o jogo por encerrado, apesar de
ainda faltarem 10 minutos para os
- Como nem os próprios jogado-
res do Benfica conheciam os regula-
mentos, convencidos de que tinham
sido mesmo eliminados puseram-
-se, soturnos e cabisbaixos a dese-
quiparem-se — até lhes aparecer Ri-
beiro dos Reis a dar-lhes alma nova:
«Então, o que há? Os períodos su-
plementares são de 30 minutos, o
Benfica vai protestar e ganhará com
certeza o protesto.» Ganhou — e a
final marcou-se para o Campo do
Arnado, em Coimbra. Os portistas
queixaram-se de «manhas e arti-
manhas» que os impossibilitaram
de utilizar Pinga, o Artur de Sousa que
fora buscar ao Marítimo — e os ben-
fiquistas venceram por 3-0, com dois
golos de Vítor Silva e um de Dinis. Se-
manas depois, despachado para o V.
Setúbal, Aníbal José revelou-o, ma-
goado, à Stadium: «Deixei o Benfica
quase por imposição de Vítor Silva,
a pretexto de ser indisciplinado, in-
correto... Eu era acusado de incor-
reto e de não querer obedecer-lhe,
mas, aquando do desafio entre o Ben-
fica e o FC Porto, na final do Campeo-
nato de Portugal, sendo Norman Hall
o melhor jogador portista e poden-
do estorvar o Benfica, o Vítor Silva,
nosso capitão, veio ter comigo e dis-
se-me: ‘Ó Aníbal, dá grande panca-
da no Hall, inutiliza-o, quando não
estamos perdidos!’ Imediatamente
fui ao seu encontro, desanquei-o de
tal maneira que os rapazes no cam-
po disseram, coitados: ‘Lá nos ma-
taram o Hall!’ O certo é que, logo a
seguir, o Benfica fez os dois golos,
de nada valendo vir o desgraçado do
Hall para a ponta esquerda, visto que
nada podia fazer...»
D. R.
Acácio Mesquita e João Correia em ação no Benfica-FC Porto do Campeonato de Portugal em Coimbra (primeiro jogo oficial entre ambos)
Pratas e a fuga
que não foi fuga
Antes de morrer em Estocolmo onde
estava como enviado-especial de A
BOLA ao Mundial de 1958, Cândido de
Oliveira ia dando encanto ao futebol da
Académica (dizia-se que não havia por
Portugal quem o jogasse mais esbelto)
- e foi em Coimbra que o FC Porto
ganhou ao Benfica a sua sexta
Supertaça Cândido de Oliveira. Na Luz
perdera por 1-2, nas Antas vencera por
1-0 – e a finalíssima jogou-se a 9 de
setembro de 1992. Aos 72 minutos,
despique entre Vítor Baía e Rui Águas
levou a que a bola fosse parar a Isaías –
e ele, em perfeito arco, colocou-a,
caprichosa, no fundo das redes.
Soltaram-se, descabelados, protestos
entre os portistas, Alberto Silveira,
responsável pelo futebol benfiquista,
afirmou-o: «Foi vergonhosa a pressão
feita sobre José Pratas. Como é
possível que um árbitro da categoria de
José Pratas ande a fugir dos jogadores
que o queriam demover da validação de
um golo limpo e nada lhes aconteça? Eu
sei, mas repugna-me dizê-lo. E sendo
bem disputada esta partida, os
portistas ainda se excederam na dureza
empregue, com a complacência do
árbitro que lhes fugia...»
Aos 84 minutos, penálti indiscutível de
Fernando Mendes sobre Paulinho,
permitiu que João Pinto arrastasse o
desafio para o prolongamento – e Vítor
Paneira lamentou-o: «Sim, o FC Porto
jogou com muita virilidade, como de
costume e como se lhe permite... E eu,
agora, só consigo pensar: como foi
possível perdermos esta Supertaça
depois de a termos na mão? A sete
minutos dos 90, estávamos a ganhar,
veio aquela grande penalidade que eu,
sinceramente, não vi... Mais tarde, na
lotaria dos penátis, voltámos a ter o
troféu nas mãos e mais uma vez fomos
infelizes...»
No desempate, William e Rui Águas
fizeram golo, Silvino defendeu remate
de João Pinto, Fernando Couto pôs a
bola por cima da barra. Kulkov e Aloísio
acertaram – e estando já o destino da
dar-se em piparote ao jogo: André e
António Carlos não falharam, falhou
Isaías. Vítor Baía travou, como se
enchesse a baliza toda com o coração
nas mãos, os pontapés de Hélder e
Mostovoi. Depois, da chuteira de
Paulinho César foi a Supertaça parar ao
FC Porto – e, 18 anos após, José Pratas
largou, enfim, a confidência, nas
páginas de A BOLA: «Não, não foi uma
fuga, foi uma reação natural de quem se
sente atacado e ameaçado. Devia ter
acabado com o jogo por insubordinação
da equipa do FC Porto. Nessa noite,
nem preguei olho! Cada vez que os
fechava, lá vinham o Couto e o João
Pinto, sei lá quem mais, direitos a
mim...»
f
PALMARÉS DOS FINALISTAS
CLUBE TAÇAS
Benfica 26
Sporting 17
FC Porto 16
Boavista 5
V. Setúbal 3
Belenenses 3
SC Braga 2
Académica 2
V. Guimarães 1
Leixões 1
Beira-Mar 1
E. Amadora 1
Ave s 1
CLUBE TAÇAS
Atlético 0
Marítimo 0
Rio Ave 0
Campomaiorense 0
Olhanense 0
UD Leiria 0
Covilhã 0
Chaves 0
Farense 0
Torrense 0
Estoril 0
P. Ferreira 0