OPINIÃO 11
7 de agosto de 2020
çA ideia de que os debates te-
levisivos sobre o futebol são
uma espécie de fonte do mal
tem a sua piada. Não acompa-
nho estes debates sobre o pe-
nálti que ficou por marcar. Em
primeiro lugar porque, na mi-
nha modesta opinião, o futebol
tem hoje um grave problema de
verdade desportiva, que resulta
da entrada em força da máfia
das apostas nos relvados portu-
gueses, bem como dos históri-
cos esquemas de luta dos ‘gran-
des’ pela hegemonia dentro e
fora do campo. Basta ver a
quantidade de obscuros acio-
nistas que pululam hoje pelas
sociedades anónimas desporti-
vas, da Liga profissional aos
Distritais. Basta ver o estado de
implacável falência em que es-
tão hoje centenas de clubes em
Portugal. De resto, o ódio indu-
zido pela rivalidade triangular,
a tal toxicidade, entre portistas
e benfiquistas e sportinguistas
e benfiquistas já existia antes
de a televisão se dedicar a este
modo de entretimento das
massas. Pelo menos desde o sé-
culo passado.
A piada desta tese está no facto
de ela apresentar instrumen-
talmente os debates como uma
explicação do mal do futebol e
da sua influência nociva na so-
ciedade, quando, afinal, ela pre-
tende primordialmente reves-
tir os seus autores de uma espé-
cie de pureza originária, que os
transforma nos pastores ange-
licais de uma nova verdade,
transformando todos os que fi-
cam nesse mundo sujo e tóxico
como uma espécie de vampiros
das emoções. No subtexto, eles
não correm por audiências, eles
são os senhores dos princípios,
os outros chafurdam na lama.
O esquema estratégico mani-
queísta do costume, que só fun-
ciona para o futebol e não para
política ou economia, tratados
com punhos de renda.
Neste debate é essencial per-
guntar, por exemplo, quem fo-
ram os criadores do clima de
promiscuidade sistémica e tóxi-
ca entre alguns dos portadores
dessas boas-novas com o mun-
do da política? Quem são os or-
ganizadores das narcotizantes
prédicas do ‘late night’ televisi-
vo onde a política se discute
sempre a partir do normativis-
mo controlado do centrão polí-
tico e económico e nunca dos
seus elementos de iniludível
crise?! Onde se diabolizam sis-
tematicamente os atores e as
instituições de pressão demo-
crática sobre o sistema político,
como as magistraturas, as polí-
cias, os órgãos de fiscalização do
Estado em geral, como se fos-
sem eles os responsáveis pelo
atraso do país. Quem foram, afi-
nal, os acompanhantes do dr.
Ricardo Salgado às missas de
luxo anuais na Suíça e os bene-
ficiários das suas avenças? Isso,
sim, sempre foi tóxico e conti-
nuamos à espera de saber.
Reduzir a toxicidade perigosa
da sociedade mediática nacio-
nal aos debates de futebol é, no
mínimo, uma hipocrisia tóxica.
Hipocrisia tóxica
O ÓDIO INDUZIDO PELA RIVALIDADE TRIANGULAR – ENTRE PORTISTAS
E BENFIQUISTAS E SPORTINGUISTAS E BENFIQUISTAS – JÁ EXISTIA ANTES
DE A TELEVISÃO SE DEDICAR A ESTE MODO DE ENTRETENIMENTO DAS MASSAS
çRazão tinha quem dis-
se que a decisão do TAS ili-
bando o Manchester City
tinha liquidado o fair play
financeiro imposto pela
UEFA, e como este morreu,
num só dia o clube inglês
gastou 70 milhões em dois
jogadores. E já disse que
vai comprar mais quatro.
Vendo o que está a acon-
tecer nesta fase do merca-
do, parece que em Inglater-
ra o vírus não provocou
grandes danos às finanças
de alguns clubes. O Chel-
sea, por exemplo, já vai em
100 milhões gastos com a
aquisição de Timo Werner
ao Leipzig, e Hakim Zyiech
ao Ajax, e prepara-se para
desembolsar mais 70/80 na
compra de Kai Havertz ao
Leverkusen. Talvez che-
gue para vencer a próxima
Emirates FA Cup...
Com este panorama, Mou-
rinho terá de se preparar
para um combate para o
qual não disporá de forças
iguais – fala-se apenas na
contratação de Hojbierg,
ao Southampton, mas
também na saída de Aurier
–, o que não impedirá que
todo o Mundo lhe exija
tudo e mais alguma coisa e
se esqueça que passar do
14.º para sexto, como na
época finda, não estava ao
alcance de qualquer um.
Será certamente uma
equipa mais competitiva,
mas só um milagre lhe per-
mitirá ganhar a Premier.
Entre nós, Jorge Jesus é o
destaque e garantiu que o
Benfica iria jogar o triplo
do que jogou na época fin-
da. Não me parece muito
difícil, já que Cebolinha
joga o triplo de Zivkovic ou
Cervi e Cavani (se vier) o
quíntuplo de Seferovic. Se
encontrar um central que
jogue o sêxtuplo de Jardel
ou de Ferro, o Benfica até
poderá jogar o quádruplo.
Rúben Amorim terá de
juntar-se a Mourinho en-
tre os que combaterão ar-
mados com arcos e flechas.
Benfica
até pode jogar
o quádruplo
Eládio Paramés
HORA
DO CHÁ
FUTEBOLDERUA
Eduardo Dâmaso
Diretor da revista Sábado
Viva o Monstro Sagrado
çMário Coluna teria comple-
tado ontem 85 anos. Sendo
africano, foi um dos expoentes
do futebol português, europeu
e até mundial, como se prova
pela escolha de publicações es-
pecializadas pelos quatro can-
tos do Planeta que o integram
entre os 100 melhores da histó-
ria do futebol do século passa-
do. Não me lembro de o ver jo-
gar. O mais próximo e, simulta-
neamente, mais longe que a
memória atinge, é a sua festa
de homenagem, a 8 de dezem-
bro de 1970, quando acompa-
nhei o meu pai na reportagem
e posei para a eternidade a seu
lado enquanto me dava um au-
tógrafo, que ainda hoje, meio
século depois, guardo religiosa-
mente.
Intensificámos os contactos
na reta final da vida, pela aju-
da que requisitei e me deu para
a conceção e execução de dois
livros; pelo ‘Record de Ouro’
que recebeu em 2010 e pela re-
lação mantida, a partir de en-
tão, com as filhas Yolanda e
Lourdes. Dele guardo as me-
mórias de um grande senhor. E
de uma entrevista na velha
Luz, já em demolição, que sem-
pre defendeu como sendo a
sua casa. No fim da conversa,
surgiu Eusébio a perguntar se
faltava muito. Iam almoçar de-
pois. Quando o parceiro virou
costas, Coluna sorriu e disse
com a felicidade estampada no
rosto: “Ontem, pela primeira
vez na vida, este tipo tratou-me
por tu.” Foi em 2003.
O BAÚ DO RUI
Rui Dias