A Bola - 20200810

(PepeLegal) #1

24 A BOLA


Segunda-feira
10 de agosto de 2020

Estou mais fértil aqui,


no Brasil, mas gostava


de regressar a Portugal


e treinar na Liga
DANIEL NERI
Treinador do Salgueiro

BRASIL


Futebol internacional


«Pernambuco é como Portugal


e Salgueiro como Rio Ave ou Paços»


«Fico triste, surpreendido e até revoltado com a Federação Portuguesa de Futebol», diz Daniel Neri, técnico campeão


pernambucano dDesde 1944 só Sport, Santa Cruz e Náutico ganhavam o estadual d«Inesquecível», frisa a A BOLA TV


D


ANIEL NERI, treinador
português de 41 anos, aca-
bou de conquistar o esta-
dual de Pernambuco ao
serviço do Salgueiro, ao
vencer nas grandes penalidades o
Santa Cruz (4-3, após 0-0 nos 120
minutos). Chegou ao Brasil em 2013
para trabalhar nos juvenis do Clube
Atlético do Porto, tendo ainda pas-
sado, desde aí, pelos juvenis, junio-
res e sub-20 do Sport e pelo Fla-
mengo, equipas de Pernambuco.
Está no Salgueiro desde 2019.
O feito de Daniel Neri e do seu
Salgueiro é histórico, pois desde 1944,
quando o campeonato pernambu-
cano foi ganho pelo América, que a
prova só conhecia três vencedores:
Sport (32 campeonatos), Santa Cruz
(24) e Náutico (20).
O Salgueiro foi fundado em 1972,
interrompeu atividade no final dos
anos 70 e só a retomou em 2005. Daí
para cá foi duas vezes vice-campeão
(2015 e 2017), outras duas terceiro
classificado (2012 e 2014) e em cin-
co ocasiões terminou no quarto lu-
gar (2008, 2009, 2016, 2018 e 2019).
Daniel Neri, em entrevista a A
BOLA TV, deu-se a conhecer aos
portugueses: «A minha carreira já vai
longa, pois trabalhei 20 anos em Por-
tugal, mas é quando se consegue
algo bom e grande, como me acon-
teceu agora, que chega o reconhe-
cimento do nosso valor. Foi uma
grande conquista e quase inédita,
pois desde 1994 que este estadual só
era vencido pelos chamados três
grandes da região.»
O agora campeão pernambuca-
no faz o retrato do clube e deste es-
tado brasileiro. «Pernambuco é um
pouco parecido com Portugal. Tem
10 milhões de habitantes e três gran-
des clubes, como FC Porto, Benfica
e Sporting, e alguns outros de me-
nor expressão ou do interior, como
aqui lhe chamam. O Salgueiro será
um clube da dimensão de Rio Ave ou
Paços de Ferreira, por exemplo, é
uma equipa de meio da tabela que
agora chegou ao título», esclareceu.
Fala com muita satisfação de algo
que nunca fora alcançado pelo Sal-
gueiro e que nos últimos 76 anos
apenas três equipas tinham conse-


guido: «Superar clubes grandes
como Sport, Santa Cruz e Náutico é
algo inesquecível. Sentimos grande
orgulho, não só pelo título em si,
mas também por todo o trabalho
que tivemos de fazer para o con-
quistarmos. Houve superação de to-
dos e, no final, surgiu a grande con-
quista.»
Porém, segundo Daniel Neri, nem
tudo são rosas neste trajeto: «A pan-
demia mudou a nossa forma de vi-
ver, mas não alterou a nossa forma
de trabalhar. O que sinto, sim, é
grande saudade de Portugal e da fa-
mília. Existe grande sacrifício pes-
soal e familiar. Não estar com a mi-
nha esposa, perder o aniversário dela
e o crescimento das minhas filhas, é
muito complicado.»
O treinador português critica ain-
da a Federação Portuguesa de Fute-
bol e a inacessibilidade aos cursos
UEFA A. «Estou a ser procurado,
nesta fase, por grandes televisões e
jornais brasileiros e portugueses,
mas para a Federação Portuguesa de
Futebol e para quem cuida dos seus

cursos não tenho currículo para ti-
rar um curso UEFA A. Não estamos
a falar do UEFA Pro, estamos a falar
do UEFA A. Fico triste, surpreendi-
do e até revoltado. Quem paga o pre-
ço sou eu, que fico sem ver a minha
mulher e os meus filhos, trabalhan-
do fora do meu país», argumenta.
Daniel Neri acredita que a vitória
no Pernambucano lhe abrirá cami-
nhos até agora inacessíveis: «Qual-
quer conquista abre portas e proje-
ta-nos. Esta ainda não me projetou.
As oportunidades vão surgir e esta-
rei preparado para novos desafios.
Quero trabalhar, por exemplo, na
primeira divisão portuguesa, mas
estou limitado pelos cursos e pelas
oportunidades. No meu caso as opor-
tunidades estão a chegar primeiro
do que os cursos. Depende de quem
seleciona os treinadores que vão ti-
rar os cursos. Faço o que depende de
mim, o que depende dos outros es-
tou limitado.»
A seguir, aborda o futebol brasi-
leiro e escalpeliza as diversas com-
petições: «No Brasil as coisas estão
a ficar mais facilitadas para mim,
pois estão a receber-me muito bem.
Os cursos da CBF são mais fáceis de
tirar, pois respeitam o meu trabalho
e o meu trajeto. Em Portugal, infe-
lizmente, não se conhece o futebol
brasileiro, embora tenha melhorado
um pouquinho com o trabalho do
Jesus na Série A. Tenho saltado os de-
graus necessários para ser reconhe-
cido. Vamos ver onde chego. Estou
mais fértil aqui, mas queria regres-
sar a Portugal e trabalhar na liga.»

Por
PEDRO MARQUES MAIA

Primeiro europeu


campeão


de Pernambuco


O campeonato pernambucano já foi
ganho por grandes treinadores sul-
-americanos: Gentil Cardoso (Sport,
1955), Dante Bianchi (Sport, 1956 e
1958), Alfredo González (Santa Cruz,
1957 e Náutico, 1963), Evaristo de
Macedo (Santa Cruz, 1972, 1978 e
1979), Paulo Emílio (Santa Cruz, 1973),
Carlos Alberto Silva (Santa Cruz,
1983), Emerson Leão (Sport, 2000),
Maurício Ramalho (Náutico, 2001 e
2002), Vanderlei Luxemburgo (Sport,
2017). O último treinador não
brasileiro a vencer o estadual de
Pernambuco fora o argentino Alfredo
González em 1963 pelo Náutico,
depois de treinar o Sporting entre
1959 e 1961. Daniel Neri é, assim, o
primeiro técnico europeu a vencer a
prova e o primeiro não brasileiro
desde 1963.

jO último não brasileiro fora o
argentino Alfredo González em
1963

jA explicação de Neri para as
saídas de Jesualdo Ferreira, Pau-
lo Bento e Augusto Inácio

«É o Brasil a consumir o Brasil»


Jorge Jesus teve êxito total no Bra-
sil, ao contrário de Jesualdo Ferrei-
ra, Paulo Bento e Augusto Inácio,
por exemplo. «É normal», diz Da-
niel Neri antes de explicar sua tese:
«Há questões culturais, de calen-
dário e de competitividade. A cultu-
ra do Brasil é sentir paixão pelo país
e pelo futebol. Brasil em primeiro
lugar. Primeiro, os treinadores bra-
sileiros, os jogadores brasileiros, o

campeonato brasileiro. É o Brasil a
consumir o Brasil. Nada de questio-
nável, pois é legitimo que o façam.»

AS VIAGENS
A grande rotatividade tem que
ver com o calendário, que é dife-
rente do português: «Não dá para
comparar. Aqui há dois campeona-
tos. É como se houvesse um campeo-
nato nacional e depois uma Cham-
pions League, em que uma se disputa
no início do ano e outra no seu final.
O Brasileirão é uma prova em que
temos de fazer viagens de avião de

duas e três horas e, por vezes, apa-
nhar dois aviões. Para chegar a Por-
to Alegre, no Rio Grande do Sul, te-
nho de fazer uma viagem de seis ou
sete horas de avião.»
Se as coisas correm mal, apare-
cem as trocas de treinador: «Quan-
do não aparecem resultados no es-
tadual, há logo movimentações para
trocar de treinador. Na segunda fase
há o Brasileirão e, se correr mal, o
presidente volta a trocar. A Jorge Je-
sus correu bem, a mim está a correr-
-me bem, mas não consigo tirar um
curso UEFA A em Portugal.»

Para a FPF não tenho


currículo para tirar o


curso UEFA A. Não é o


UEFA Pro, é o UEFA A!
DANIEL NERI
Treinador do Salgueiro

SALGUEIRO

Daniel Neri, 41 anos, com o troféu de campeão pernambucano ao serviço do Salgueiro
Free download pdf