A Bola - 20200822

(PepeLegal) #1

26 A BOLA


Sábado
22 de agosto de 2020

«Nunca gostei

de desporto.

Mas na verdade

também

nunca quis

ser músico»

A Bola de SÁBADO


A


edição deste ‘Lost and
Found — b-sides and ra-
rities’ soa como um tra-
balho idealizado em tem-
pos de recolhimento, de
uma vontade de reviver. Terá sido
realmente esse o mote?
— Quando ficámos todos em
confinamento, fiz o que muita gen-
te fez: virei-me para a organização.
Olhei para gavetas que há anos pre-
cisavam de uma olhadela séria. Na
sequência disso, resolvi olhar com
atenção para o meu arquivo e or-
ganizá-lo melhor. E dei de caras
com canções que, apesar de terem
sido terminadas, não estavam dis-
poníveis ao público geral, estando
confinadas também a edições ex-
clusivas que tomaram lugar ao lon-
go dos anos.


— Como se escolhem canções
que outrora não foram escolhidas?
Os b-sides têm sempre um travo de
abandono, um filtro, são canções
que o artista achou que não resul-
tariam tão bem. Às vezes ganham
aura de culto, mas querer pegar
nelas para um espaço mais central
imagino que seja um exercício de-
licado. Que critérios usou?
— Neste caso, foi fácil. Peguei
em todas as canções que tinham
chegado ao fim da linha da criação.
Ou seja, todas elas tinha sido gra-
vadas, misturadas e masterizadas.
Eram canções finais. As razões pe-
las quais ficaram de fora dos discos
principais foram várias: ou não se
adequavam ao espírito de um dis-
co; ou já existiam canções do gé-
nero no momento em que se esco-
lhe o alinhamento final; ou então
eram mesmo aves raras e estavam
isoladas no seu universo.


— Acha que se enganou em al-
gumas delas? Isto é: algum dos b-
-sides poderia ter sido um hit?
— Nunca poderei saber, depen-
de da altura em que saíram. Aqui-
lo que se classifica como um hit
também mudou ao longo dos anos
e é impossível identificar um êxi-
to. Pode avaliar-se o potencial, mas
nem sempre se acerta.


— Aproveita para mostrar um
inédito, Só depois, amanhã, que
no título também remete para uma
espécie de tempo parado, para algo
que não se pode ter hoje como se
tinha antes. A letra fala de fuga, de
abandono e depois de abraços e


reencontros, num tom quase reli-
gioso. Pode até ter-se dado o caso
de a canção ter sido por si escrita
antes de tudo isto, mas ainda assim:
custou-lhe o confinamento?
— Sim, a canção foi escrita em
2014/2015, longe de pensar no con-
texto da pandemia. Mas um dos
dons da canção pop é a adaptação
do conteúdo a situações diferentes,
daquelas para que foram pensadas.
A canção podia ser sobre este mo-
mento e foi uma das razões que me
levou a pegar nela de novo, sim.
Quanto ao confinamento custa a
todos, mas não foi assim tão difí-
cil. Estou habituado a trabalhar em
casa, é assim há muitos anos e fiz
tantas coisas que esse período pas-

sou depressa. A pandemia veio para
ficar uns tempos e estou a ajustar-
-me a eles, como toda a gente.

— Como tem sido gerir a carrei-
ra sem espetáculos?
— Não é fácil. Nunca tinha es-
tado tanto tempo sem fazer um es-
petáculo e é estranho que essa par-
te da minha vida, ativa, tenha
desaparecido de forma tão instan-
tânea. Penso em voltar à estrada e
espero fazê-lo até ao final do ano.
Enquanto isso não aconteceu, co-
muniquei com quem está do outro
lado de outras formas. Fiz uma can-
ção durante o confinamento (Yo u
Feel Like Home, com a Ana Sofia) e
dediquei-me ao lançamento des-
te disco de raridades. Fiz um site

— Percebi que somos todos resis-
tentes à mudança, que nos parece
complicado aceitar que o mundo
muda repentinamente. Construí-
mos uma bolha e queremos perma-
necer nela com o mínimo de alari-
do. A pandemia veio mostrar-nos
que somos vulneráveis, indepen-
dentemente de onde estamos. Veio
pôr-nos à prova como nunca.

Desconstruções de um artista com espaço próprio dNovo disco: ‘Lost


and Found – B Sides and Rarities’ dPandemia, fotos, objetos, ideias


Nunca estive tanto


tempo sem espetáculos.


Espero voltar à estrada


até ao final do ano


Entrevista


Por
MIGUEL CARDOSO PEREIRA

Ent


D. R.David Fonseca
conversou
com A BOLA
sobre o novo
disco, bons
e maus hábitos,
velhas canções,
velhas
fotografias
e novos tempos

DAVID


FONS


novo, para estar mais perto de
quem está do outro lado. E fiz um
ou dois lives que, não sendo a mi-
nha praia, permitiram uma breve li-
gação ao mundo das canções ao
vivo.

— O que tem aprendido nestes
últimos meses, durante o recolhi-
mento e depois, em si e nos outros?
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