Sábado
22 agosto
2020
Barba e cabelo Por LU ÍS A FO NSO
MEMBRO HONORÁRIO DA ORDEM DO INFANTE D. HENRIQUE
- MEDALHA DE MÉRITO DESPORTIVO
Se há
privilégios não
há equipa
O
PSG está recuperado dos
estragos que produz o
excesso de talento. Não
me entendam mal, o ta-
lento nunca é demais,
mas às vezes baralha. O erro, que
não é novo, consiste em acreditar
que o tamanho do talento autori-
za níveis distintos de obrigações.
Por exemplo, quando alguns se en-
carregam de jogar e outros, com
menos estatuto, de correr. Enfim,
no PSG a soma das individualida-
des cristalizou a equipa. Se Lisboa
deixou evidente alguma coisa é
que para jogar exige-se compro-
misso e, para defender, esforço.
Mas coletivo. Só com jogadores
que não se escondem com e sem
bola o funcionamento se estabili-
za para defender e se desdobra para
atacar. É mais fácil consegui-lo
com jogadores jovens ou medianos,
gente que não pede privilégios. O
sistema de castas que alguns clu-
estará acima do talento; e se ganhar
o PSG dever-se-á à explosão dos
seus grandes talentos, imparável
para qualquer equipa. Ambas as
teorias poderiam estar acompa-
nhadas de dados estatísticos e con-
tundentes exemplos históricos,
mas nem por isso deixariam de ser
mentiras. Vemos o futebol a par-
tir da nossa obsessão favorita, que
pode ser tática, técnica, física, aní-
mica... E queremos tanto ter razão
que forçamos a realidade ao nos-
so gosto. Lisboa colocou-nos dian-
te equipas com notáveis forças e
debilidades. A única conclusão é
que o futebol é alérgico às simpli-
ficações. Ainda que controlemos
todos os segredos do jogo, pode
acontecer que Sterling mande a
bola para o céu a meio metro de
uma baliza sem guarda-redes.
Tango
Q
UANDO volto à Argen-
tina um amigo costu-
ma dizer-me que há
apenas uma boa notí-
cia e é que «batemos no
fundo». Repete-me a frase há 30
anos, o que mostra que a deca-
dência não tem fundo. Algo pare-
cido tem acontecido ao Barça
Champions desde que, em Lisboa,
como diz o tango, se encontrou
com a «ilusão da realidade». Su-
põe-se que tocar no fundo serve
para ganhar impulso, mas custa
saber onde está o ponto de apoio
quando se perde 8-2 sem o ampa-
ro da ordem nem do talento nem
da rebeldia. No meio do caos, é
muito possível que Messi tenha
acabado a cantarolar a parte final
do tal tango: «Perdoem-me se me
veem lacrimejar, as recordações fi-
zeram-me mal.» Só que a nostal-
gia não serve para reconstruir o
que está partido.
Por
JORGE VALDANO
bes permitem torna impossível a
competitividade que o máximo ní-
vel, nestes momentos, exige.
O futebol
é tudo
A
MIGOS como somos dos
juízos preconcebidos,
podemos escrever a cró-
nica da final antes de co-
meçar. Se ganhar o
Bayern ganhou o sentido de equi-
pa e a sua força coletiva sempre
Não escrevam a crónica antes da final
Ainda que controlemos
todos os segredos
do jogo, pode acontecer
que Sterling mande
a bola para o céu
a meio metro da baliza
O coração
da máquina
F
AZ tempo que deixámos
de representar o futebol
alemão como uma má-
quina. O assunto colo-
cava-nos sempre diante
de uma equipa com um funcio-
namento eficaz, ainda que fria e
previsível como uma cadeia de
montagem. Mas se há algo que
define este Bayern que chegou,
passeando, à final da Champions
(ganhou todos os jogos com uma
média de quatro golos) é a pai-
xão. Máquina, sim, pela insis-
tência com que massacra, ganha
e goleia, mas com o coração.
Como o esforço não se negoceia,
os veteranos correm tanto ou
mais do que os jovens e como
são insaciáveis o golo mais im-
portante é sempre o próximo.
Essa capacidade para invadir
com sete a trincheira da área
adversária e, na jogada seguin-
te, defender com sete a própria
área (tudo isto sem jogar com 14
jogadores) diz-nos da fiabilida-
de da equipa. Se o futebol tam-
bém fosse fiável, haveria cam-
peão antes de jogar-se a final.
MIGUEL A. LOPES/AFP
Se o futebol fosse tão fiável como a equipa do Bayern, haveria campeão antes de jogar-se a final da Champions