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á duas boas notícias em cancro
da mama que acabam por se
traduzir num problema: No
mundo ocidental, 80% das
mulheres continua viva dez anos depois
do diagnóstico e a maior parte dos tumo-
res são detetados numa fase precoce da
doença. E porque é que isto pode ser um
problema? Porque torna mais imperiosa a
necessidade de limitar o dano da cirurgia
e porque dificulta a visualização da lesão
tumoral, já que esta não é detetável na
apalpação.
Pedro Gouveia, cirurgião e investiga-
dor da Unidade de Mama, da Fundação
Champalimaud, não se contenta em ga-
rantir anos de vida às suas doentes. O
médico, fã de Star Wars, trouxe o futuro
para o bloco operatório e para ele inteli-
gência artificial e realidade aumentada já
são o presente da sua vida de cirurgião,
especialista em cancro da mama.
Antes de uma mulher ser submetida a
uma cirurgia para remoção de um tumor
mamário, fez uma série de exames, como
a mamografia e a ressonância magnéti-
ca, que identificaram e caracterizaram o
tumor. No entanto, cada um destes exa-
mes decorre numa posição diferente – a
mamografia é feita de pé, com a mama
espalmada; na ressonância magnética a
mulher está deitada, de barriga para bai-
xo, com o peito deformado pela ação da
gravidade. Resta ao cirurgião visualizar
o tumor, construindo na sua cabeça uma
imagem tridimensional da área doente
que tem de ser extraída. “O cirurgião
tem de fazer uma interpretação espacial
para a localização do tumor”, observa
Pedro Gouveia. Para se orientarem du-
rante a operação, os médicos costumam
recorrer a um de três métodos possíveis: a
colocação de um fio guia, metálico, uma
tatuagem em carbono ou a aplicação de
sementes radioativas. “Todos estes são
métodos invasivos”, sublinha o médico.
O que é que o fã de tecnologia se lem-
brou de fazer? Combinar uma imagem
captada por um scanner 3D de superfície
com a ressonância magnética para criar
um modelo tridimensional do corpo da
mulher, com o tumor bem visível. “Isto
permite-nos ter uma visualização direta
do tumor, dentro da mama da pacien-
te, antes ou durante a cirurgia”, reforça
Pedro Gouveia.
Dito assim até parece fácil, mas para
chegar à solução final o médico e uma
equipa de cientistas e engenheiros dos
seus parceiros INESC TEC, Universidade
do Porto, e as duas Faculdades de Medici-
na, da Nova e da Universidade de Lisboa,
tiveram de demonstrar, num ensaio clí-
nico, que o modelo era fiável e que havia
uma correspondência fidedigna entre
os pontos no modelo tridimensional e
a imagem da ressonância magnética.
Para isso, foram recrutadas 16 pacien-
tes do Centro Clínico Champalimaud,
com cancro da mama nos estádios T1 a
T3, e que seriam submetidas a cirurgia
conservativa. A experiência está publi-
cada num artigo científico da revista The
Breast, portanto já passou o crivo da va-
lidação pelos pares. “Conseguimos criar
um modelo digital específico para cada
paciente”, orgulha-se Pedro Gouveia.
IA E ÓLEO DE FÍGADO
DE BACALHAU
Para a transformação da posição deitada
para a posição vertical foi utilizado um
sistema de inteligência artificial, que
fez corresponder a cada ponto no scan
Pedro Gouveia é um grande fã da tecnologia.
Quando não encontrou no mercado uma solução, inventou-a