Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 158 (2020-09)

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14 Le Monde Diplomatique Brasil^ SETEMBRO 2020


Desde o início dos anos 1980, o evangelismo mobiliza multidões de fiéis reunidos por uma mesma visão
ultraconservadora do mundo. Capazes de articular alianças transfronteiriças como entre a Coreia do Sul e os Estados
Unidos (pág. 16 ), os pastores dessa corrente vituperam contra o aborto e o casamento homossexual, em nome de
uma leitura literal da Bíblia. Eles não se esquecem, contudo, de garantir a si mesmos rendas bastante confortáveis
(pág. 18 ). Há muito tempo ausentes da arena política, os evangélicos investem cada vez mais no espaço público,
a ponto de influenciar eleições na Nigéria (pág. 20 ) e em todo o mundo (a seguir )

POR AKRAM BELKAÏD E LAMIA OUALALOU*

Uma Internacional reacionária


D


o Rio de Janeiro a Seul, passan-
do pela Cidade do México e por
Lagos, há quatro décadas o
mundo protestante passa por
uma dinâmica ultraconservadora
que inf luencia as questões sociais,
societais, econômicas e diplomáti-
cas. Com seus 800 milhões de fiéis, o
evangelismo cristão – uma corrente
do protestantismo – tem tido um
avanço fulgurante.^1 No início do sé-
culo X X, 94% da população da Améri-
ca do Sul era católica; apenas 1% dos
habitantes do continente afirmavam
ser protestantes. Hoje, estes são 20%,
e a proporção de fiéis ao Vaticano

caiu para 69%. No Brasil, em 1970,
92% dos habitantes se declaravam
católicos; em 2010, eles não passa-
vam de 64%, tendo as “deserções” be-
neficiado as múltiplas igrejas evan-
gélicas, sobretudo as pentecostais,
que proliferam no país.^2 Em 2018, o
candidato à Presidência Jair Bolsona-
ro contou com o voto de 70% dos
evangélicos. Seus 11 milhões de votos
fizeram a diferença para que ele su-
perasse Fernando Haddad, o candi-
dato do Partido dos Trabalhadores.
Em 2016, Donald Trump, ainda mais
abertamente do que seus antecesso-
res republicanos Ronald Reagan e

George W. Bush, cortejou esse eleito-
rado, tido agora como essencial para
sua reeleição em novembro. Hoje,
evangélico rima com político.
O ponto de partida para essa mu-
dança pode ser localizado nos Esta-
dos Unidos. Foi lá, na década de 1910,
que nasceu o pentecostalismo, o qual
dá grande importância à narrativa de
Pentecostes e à inf luência do Espírito
Santo sobre os apóstolos de Jesus
Cristo. Foi nessa época que missioná-
rios começaram a viajar pelo planeta
com a missão de divulgar os princí-
pios fundamentais do pentecostalis-
mo: o renascimento, ou o início de

uma nova vida, efetivado por meio de
uma conversão pessoal que passa por
um “segundo batismo”; e a centrali-
dade da Bíblia na vida diária, bem co-
mo sua inerrância, isto é, a afirmação
doutrinária de que ela não contém
erros. Soma-se a isso a importância
do testemunho pessoal na expressão
da fé. Relançado pela “segunda onda”
dos anos 1960, o movimento ganhou
força mais uma vez, vinte anos de-
pois, quando surgiu, ainda nos Esta-
dos Unidos, o neopentecostalismo.
Nessa “terceira onda”, os fiéis viram-
-se instados a integrar a necessária
luta cotidiana contra o mal e o demô-

A EXPANSÃO DO EVANGELISMO


© Tom Brenner/Reuters

Presidente Donald Trump posa para fotos segurando a bíblia em frente a igreja Episcopal St. John, em Washington

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