Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 158 (2020-09)

(Antfer) #1

SETEMBRO 2020 Le Monde Diplomatique Brasil 27


Hussein, mas pede que sejam realis-
tas. Também menciona a ideia de um
Estado na Cisjordânia e Gaza, ques-
tionando a possibilidade de “libertar
toda a Palestina”. Se por um lado a
delegação volta satisfeita com os es-
clarecimentos, de outro uma engre-
nagem que ninguém poderá deter é
colocada em marcha na Jordânia.
A partir de julho de 1968, a FPLP
lança uma série de ações contra
aviões ocidentais, com o objetivo de
libertar prisioneiros palestinos em
Israel. Em agosto de 1969, uma dessas
ações é liderada por uma jovem ati-
vista de 25 anos, Leila Khaled, cujo
herói é Che Guevara. Em 6 de setem-
bro de 1970, a organização dá um
passo mais ousado e sequestra si-
multaneamente quatro aeronaves,
três das quais são forçadas a pousar
em uma pista na Jordânia batizada de
“Aeroporto da Revolução”. Os fedayin
explodem aviões, incluindo um
Boeing 747, e as imagens desses “fo-
gos de artifício” circulam pelo mun-
do. Mesmo sem o derramamento de
uma gota de sangue e com a liberta-
ção dos quinhentos reféns, essas
ações dão às autoridades jordanianas
o pretexto para uma ofensiva desti-
nada a “restaurar a ordem”.
Confiante no apoio norte-ameri-
cano e israelense, Hussein nomeia
um governo militar em 15 de setem-
bro de 1970 e lança veículos blinda-

dos para atacar os alojamentos dos
fedayin, que são bombardeados dia e
noite pelo Exército. Ao contrário do
que pensavam os fedayin, o Exército
tem um número muito limitado de
deserções, embora muitos de seus
soldados sejam palestinos. Como
conta o jornalista Éric Rouleau, cor-
respondente especial do Le Monde:
“O rei confiou a maior parte dos car-
gos aos transjordanianos. Ele havia
organizado uma campanha de infor-
mação com o objetivo de desacredi-
tar os comandos, acusados de serem
ateus, inimigos de Deus, aliados de
judeus de extrema esquerda [...]. Jo-
vens israelenses, judeus europeus e
norte-americanos não tinham parti-
cipado do Congresso da União de Es-
tudantes Palestinos?”.^7 O rei, que co-
labora com Israel, no entanto, usa
essa “presença judaica” como argu-
mento contra a Resistência.
Apesar das promessas de Bagdá, o
contingente iraquiano presente na
Jordânia desde 1967 não demonstra
intenções de combate. A Síria está de
fato tentando uma incursão blinda-
da, mas precisa recuar diante das
ameaças de intervenção israelense e
norte-americana e da recusa de Ha-
fez al-Assad, então ministro da Defe-
sa da Síria, em fornecer cobertura aé-
rea. Embora os combates já somem
mais de 3 mil mortos, de acordo com
um relatório não oficial da Jordânia

(o triplo, segundo os palestinos), é fi-
nalmente a mediação de Nasser que
salva os fedayin, com a assinatura de
um cessar-fogo em 27 de setembro, e
um acordo cujo caráter favorável à
Resistência entra em contradição
com as derrotas militares desta. Mas
Nasser morre em 28 de setembro de
um ataque cardíaco: já não há empe-
cilhos para o rei completar a “limpe-
za” da Jordânia no verão de 1971.

As razões para a derrota palestina
são muitas. A Resistência é jovem,
mal treinada e formada por recrutas
entusiasmados, mas inexperientes;
seu comportamento indisciplinado
alimenta a rejeição de parte da popu-
lação, incluindo os de origem palesti-
na. Ela superestima seus próprios
pontos fortes e permanece presa à tu-
tela de organizações como a FPLP.
Sua fraca experiência diplomática e
política leva-a a negligenciar as lutas
pelo poder regional e internacional e
a superestimar a mobilização dos po-
vos árabes. Acima de tudo, para além
dos slogans, a Resistência encontra

dificuldades para definir uma estra-
tégia política e militar em um contex-
to fundamentalmente diferente do
Vietnã ou da Argélia.
Das consequências desse fracas-
so, que poderia ter resultado no desa-
parecimento da resistência do cená-
rio regional, ressalta-se a criação da
organização Setembro Negro, que as-
sassina o primeiro-ministro jorda-
niano, Wasfi al-Tal, em 28 de novem-
bro de 1971. Também pega de surpresa
os Jogos Olímpicos de Munique em
setembro de 1972, em uma ação que
causa a morte de onze membros da
delegação israelense. A resistência
palestina, enquanto isso, enraíza-se
no Líbano, para onde transfere suas
capacidades militares e se alia ao mo-
vimento nacional. Ganha inf luência
política decisiva na Cisjordânia, em
detrimento do rei Hussein e, pouco a
pouco, a OLP será reconhecida como
“a única representante do povo pales-
tino”. Com a ampliação de suas alian-
ças diplomáticas, tanto na Europa
ocidental como no “campo socialis-
ta”, ela abandona o discurso utópico
dos anos 1960, que tanto entusiasma-
va o mundo, renuncia aos ataques
contra civis e adota uma estratégia
mais moderada ao reivindicar, após a
guerra de outubro de 1973, a criação
de uma autoridade e depois de um Es-
tado na Cisjordânia e Gaza.
Até o momento, contudo, essa via
“realista” não trouxe aos palestinos
que vivem sob ocupação ou no exílio
resultados mais tangíveis do que a
utopia revolucionária que fazia o co-
ração da juventude mundial bater
mais rápido em 1970.

*Alain Gresh é diretor do jornal on-line
Orient XXI.
1 “De l’Asie à l’Amérique, l’air est à la révolution!
Je n’en veux qu’une grandiose, en guise de
bouquet d’artifice, un incendie sautant de
banque en banque, d’opéra en opéra, de pri-
son en palais de justice”. Citado por Hélène
Aldeguer e Alain Gresh, Un chant d’amour.
Israël-Palestine, une histoire française [Um
canto de amor. Israel-Palestina, uma história
francesa]. La Découverte, Paris, 2017.
2 “Cela vaut la peine de mourir sur une terre
étrangère, et, comme je me sentais algérienne
lorsque l’on rasait les Aurès, je me sens au-
jourd’hui palestinienne.” Ania Francos, Les Pa-
lestiniens [Os palestinos], Julliard, Paris, 1968.
3 Ler Edouard Bailby, “L’Amérique latine a choisi
l’escalade révolutionnaire localisée” [A Améri-
ca Latina escolheu a escalada revolucionária
localizada], Le Monde Diplomatique, fev. 1966.
4 Sobre a história dos palestinos, cf. John K.
Cooley e Green March, Black September [Se-
tembro Negro], Frank Cass, Londres, 1973; e
Nadine Picaudou, Les Palestiniens, un siècle
d’histoire [Os palestinos, um século de histó-
ria], Complexe, Bruxelas, 2003.
5 Cf. Alain Gresh, OLP, Histoire et stratégies
[OLP: história e estratégias], Spag-Pa-
pyrus, 1983.
6 “CIA Paid Millions to Jordan’s King Hussein”
[CIA pagou milhões ao rei Hussein da Jordâ-
nia], The Washington Post, 18 fev. 1977.
7 Eric Rouleau, Dans les coulisses du Proche-
-Orient. Mémoires d’un journaliste-diplomate
(1952-2012) [Nos bastidores do Oriente Mé-
dio. Memórias de um diplomata-jornalista,
1952-2012], Fayard, Paris, 2012.

© Michelle Ratto


A Resistência é
jovem, mal treinada
e formada por recrutas
entusiasmados, mas
inexperientes

A resistência palestina ainda não obteve resultados mais tangíveis para os palestinos que vivem sob ocupação

.
Free download pdf