Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 158 (2020-09)

(Antfer) #1

SETEMBRO 2020 Le Monde Diplomatique Brasil 3


EDITORIAL


POR SILVIO CACCIA BAVA

A


pouco mais de dois meses das
eleições municipais, o governo
Bolsonaro prepara o lança-
mento de um conjunto de polí-
ticas sociais para os eleitores de baixa
renda. Anuncia o Renda Brasil
(R$ 300?) para substituir o Bolsa Fa-
mília (R$ 190), indicando que o valor
será maior que o deste último e que
os beneficiários serão em maior nú-
mero (6 milhões de pessoas), o que
faria esse programa chegar a cerca de
25 milhões de brasileiros.
Para isso, o governo não quer in-
jetar dinheiro novo nos programas
sociais. Ele propõe acabar com o se-
guro-desemprego e o abono salarial
(R$ 61 bi), com o salário-família
(R$ 2 bi), com o seguro-defeso para
os pescadores (R$ 2,8 bi), com a far-
mácia popular (R$ 2,8 bi) e com ou-
tros programas, como o financia-
mento da agricultura familiar.
Estudo recente do Itaú-Unibanco
propõe uma redução de R$ 76 bi nos
programas sociais existentes para
manter o teto de gastos.^1
Lançará também o Casa Verde e
Amarela, em substituição ao Minha
Casa Minha Vida. O novo programa,
com uma ótica de mercado, incorpo-
rará regularização fundiária e recur-
sos para reformas para quem já tem
residência. As taxas de juros serão
também diferenciadas por região,
sendo as menores para o Nordeste. O
acesso ao crédito do Casa Verde e
Amarela para aquisição ou reforma
deverá atingir 956 mil famílias na
primeira fase e os recursos deverão
estar disponíveis em sessenta dias.^2
O que muda? Acabam os fortes
subsídios que o MCMV tinha para a
faixa de renda de até R$ 1.800 de ren-
da familiar, que dessa maneira perde
o acesso ao novo programa. E é pro-
vável que a questão da regularização
fundiária não passe do anúncio, pois
seria necessário enfrentar os interes-
ses do capital imobiliário e desapro-
priar áreas que em sua maioria per-
tencem a grandes empresas.
Não é preciso dizer o quanto as
maiorias empobrecidas são sensí-
veis a ações que buscam aliviar o
quadro de carências vividas no seu
cotidiano. Apesar de ter sido contra
a definição do valor de R$ 600 para o
auxílio emergencial, definido pelo
Congresso Nacional, Bolsonaro foi
quem se beneficiou com a elevação

de seus índices de popularidade com
a distribuição desse auxílio para
65,3 milhões de pessoas. Os efeitos
sociais dessa ajuda foram identifica-
dos por estudo recente de Marcelo
Neri (ver tabela).^3
O impacto do auxílio emergencial
foi muito expressivo. Mas o que mais
impressiona nesses números é o fato
de que 87% tinham renda de até
R$ 70/dia em julho de 2020. E vale no-
tar que 52,1 milhões de brasileiros e
brasileiras não contam com mais de
R$ 17,42 por dia para todas as suas
necessidades.
A Caixa Econômica Federal pa-
gou quatro parcelas do auxílio
emergencial até 23 de julho. Desse
total, 19,2 milhões já eram benefi-
ciários do Programa Bolsa Família;
10,5 milhões constavam do Cadas-
tro Único e outros 35,6 milhões não
tinham nenhum registro de paga-
mento de benefícios anterior à pan-
demia (54% do total).^4
Da segunda quinzena de junho à
segunda semana de agosto, de acor-
do com o Datafolha, a aprovação do
governo Bolsonaro foi de 32% para
37%, sua melhor taxa de ótimo e bom.
O segmento em que ele mais cresceu
foram os beneficiários desse progra-
ma emergencial.

Neste cenário de recessão, de au-
mento do desemprego e empobreci-
mento generalizado, o que vai acon-
tecer quando o governo federal
encerrar o auxílio emergencial? Mes-
mo considerando que o Renda Brasil
se efetive e chegue aos 25 milhões de
pessoas que o governo se propõe a
atingir, sobram 40 milhões de brasi-
leiros que se habilitaram por sua con-
dição de pobreza a acessar o auxílio
emergencial e que não terão mais ne-
nhum recurso para enfrentar as ad-
versidades. O que vai acontecer com
a popularidade de Bolsonaro?
O grande empresariado exige que
o governo mantenha o teto dos gastos
sociais, diminua os custos trabalhis-
tas, reduza as políticas de saúde, edu-
cação, assistência social, e não aceita
nenhum aumento de tributos. O que
o governo está fazendo é abaixar o pi-

so, isto é, cortar o orçamento das po-
líticas existentes. Além do ataque a
essas políticas sociais, as universida-
des, a pesquisa científica e a cultura
sofrem brutais reduções. O único or-
çamento que cresce é o da Defesa,
cujos gastos efetivos passaram de R$
67 bi em 2018 para R$ 75 bi em 2019,
com tendência de alta em 2020.^5

1 “Itaú diz que cortes bancariam novo progra-
ma social dentro do teto”, Folha de S.Paulo,
23 ago. 2020.
2 Fabio Pupo, “Bolsonaro faz investida em área
social usando como base programas de Lula”,
Folha de S.Paulo, 24 ago. 2020.
3 Marcelo Neri, citado por Vera Batista, “Qual
foi o impacto imediato da pandemia do Covid
sobre as classes econômicas brasileiras?”,
Blog do Servidor, 25 ago. 2020.
4 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.
com.br/economia/noticia/2020-07/auxilio-e-
mergencial-653-milhoes-de-brasileiros-rece-
bem-4a-parcela.
5 Rodrigo Zeidan, “O mito dos gestores milita-
res”, Folha de S.Paulo, 22 ago. 2020.

Evolução da renda per capita durante a pandemia

Renda per capita 2019
milhões de pessoas

% Jul. 2020
milhões de pessoas

% Variação

Até ½ salário mínimo 65,2 31,04 52,1 24,62 –13,
De ½ a 2 salários mínimos 111,94 53,29 132,45 62,58 +20,
+ de 2 salários mínimos 32,92 15,67 2 7, 0 9 12,8 –5,
Total 210,06 100 211,62 100

Políticas públicas e


estratégia eleitoral


© Claudius

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