Crusoé - Edição 123 02020-09-05)

(Antfer) #1
04/09/ 20 REPORTAGEM

Outra meia reforma


O governo envia ao Congresso
uma proposta de reforma
administrativa que até ajuda, mas não
resolve o grave cenário dos gastos
com o funcionalismo público e seus
incontáveis privilégios


Helena Mader

Digitar textos com rapidez foi
uma das habilidades mais valorizadas
no mercado de trabalho dos anos



  1. À época, os disputados
    cursos de datilografia ensinavam os
    profissionais a não “catarem milho”



  • expressão muito usada para se
    referir aos mais lentos na digitação.
    Há décadas obsoleta, essa atividade
    ainda faz parte da realidade do
    serviço público: o governo federal
    tem hoje 3.073 datilógrafos em seu
    quadro de efetivos, com
    remuneração básica que supera 10


mil reais. Como exemplos de
anacronismo, a folha de pagamento
da União tem ainda onze operadores
de telex e um operador de
videocassete – todos efetivos, com
estabilidade e altos salários. A
existência desses cargos é apenas
uma amostra de quão arcaico é o
serviço público brasileiro, cuja
estrutura é composta por carreiras
ultrapassadas, que jamais são
submetidas a avaliações efetivas e
controle de produtividade. A folha de
pessoal da União custará 337 bilhões
de reais no ano que vem, o que
representa 22% de todos os gastos
do governo federal. As despesas
com o funcionalismo, que cresceram
142% em pouco mais de uma
década, drenam os recursos para
investimento sem entregar aos
cidadãos, em contrapartida, serviços
de qualidade.

Depois de uma série de recuos
por questões políticas, o presidente
Jair Bolsonaro finalmente enviou ao
Congresso uma proposta de reforma
administrativa. Entregue nesta quinta-
feira, o texto traz até algumas
mudanças importantes que corrigem
determinadas distorções do serviço
público. Mas, 22 anos depois da
última reforma do estado, as
mudanças na legislação propostas
por Bolsonaro ainda são insuficientes
para promover uma ampla
modernização da máquina pública e
acabar de fato com os incontáveis
privilégios do funcionalismo. Ou seja,
para dar uma satisfação ao mercado,
o presidente entregou ao Congresso
uma reforma pela metade – o mesmo
que já havia feito com a reforma
tributária.

A proposta de emenda à
Constituição avança, de certa forma,
ao extinguir a estabilidade para
alguns cargos, acabar com as
progressões automáticas na carreira
por tempo de serviço, abrir a
possibilidade de demissão de
funcionários públicos ímprobos,
incompetentes ou cujo trabalho não
é mais necessário e ao pôr fim a
algumas gratificações salariais
inexistentes no setor privado.

O texto, porém, tem abrangência
limitada: só vale para quem ainda vai
ingressar no serviço público. A
reforma não atinge os grupos mais
privilegiados, como magistrados,
Free download pdf