Crusoé - Edição 123 02020-09-05)

(Antfer) #1
04/09/ 20

mesmo tendo ainda centenas de
investigações em andamento. Mas
não há investigação sem investimento
de recursos humanos, técnicos e
financeiros, e isso está na mão de
Aras.


Infelizmente, a situação a ser
enfrentada não tende a melhorar. Os
inimigos estão unidos no desejo de
destruir a operação e, para isso,
contam com representantes em todos
os poderes da República e mesmo
em instituições que deveriam
defender a ordem democrática. O
câncer da apropriação do estado por
uma elite política e econômica tem
metástases por todos os lados.


A população, por seu turno, está
cansada e sentindo-se impotente,
especialmente quando percebeu que
as mudanças prometidas pelo
governo Bolsonaro eram apenas
uma fraude. Mesmo a imprensa, tão
combativa no passado, não passa de
um arremedo do que foi, incapaz de
ir além de relatórios de versões
travestidos de notícia. Poucos são,
como esta revista, capazes de se
posicionar nesse mar de mentiras –
não foi por outro motivo que foi
objeto de censura.


Deltan Dallagnol e a operação
Lava Jato são parte da história do
Brasil. São parte do relato de como
a democracia brasileira, nascida com


a Constituição de 1988, vem sendo
carcomida pelo abuso do dinheiro e
corrupção, transformando-se em um
arremedo democrático apenas no
momento do voto. De como as
esperanças foram substituídas pela
ganância e pelos interesses escusos,
de como os sistemas de controle se
tornaram inefetivos e as leis foram
sabotadas para dificultar novas
investigações.

Exigir dele, neste contexto,
qualquer sacrifício além do que já
teve é injusto. Sei que muitos batem
em nossas costas desejando força e
demonstrando esperança, mas,
apesar dessa imensa boa vontade, as
investigações encontram-se órfãs de
apoio. O sistema ameaça diariamente
procuradores da República com
punições por comportamentos
absolutamente lícitos, especialmente
o de esclarecer a população sobre
irregularidades descobertas. Essa é
a estratégia de intimidação de
funcionários públicos e procuradores
da República e está atingindo seu
resultado. O Ministério Público está
sendo calado.

A esperança que resta é que o
espírito de inconformismo dos
brasileiros volte aos dias de
manifestações de rua de 2013, pois
nenhum daqueles problemas que
levaram à indignação popular foi
realmente resolvido. Continuamos

sem serviços públicos, mas agora
temos certeza do motivo: a
corrupção que mata pessoas e
esperanças dos brasileiros por dias
melhores.

Não podemos nunca esquecer
que eles, os corruptos, temem o
povo, temem o despertar da
cidadania ativa, aquela que não é
apenas receptora passiva de políticas
públicas, essas esmolas dadas
magnanimamente pelos políticos,
mas uma cidadania questionadora e
desafiante, sempre a exigir o correto
uso do suor do nosso trabalho
apropriado pelo estado. Sempre
resta a esperança por dias melhores.

Só tenho a agradecer a Deltan
Dallagnol. Agradeço a ele por ter me
convidado a participar de uma
investigação tão importante, mesmo
estando eu no final de uma longa
carreira. Agradeço a ele ter me
lembrado dos ideais do Ministério
Público após tantas batalhas e
dificuldades terem me tornado cínico
e pragmático. Agradeço a ele ter
mobilizado a população em busca de
respostas para tanto malfeito. Tenho
certeza que veremos Deltan ainda
em muitas outras batalhas, pois ele
ainda tem muito a oferecer pelo
Brasil. Mas agora deixemos ele
cuidar do que lhe é realmente
essencial: sua família.
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