Crusoé - Edição 123 02020-09-05)

(Antfer) #1
04/09/ 20

pesados e desgastantes para
Dallagnol. Não bastassem os
recentes problemas de saúde da filha
de um ano e dez meses, razão pela
qual ele teria de se dedicar mais
tempo à família, o procurador estava
debaixo de uma pressão inclemente.


Dallagnol assistia entre estupefato
e incrédulo ao voluntarismo de um
procurador-geral da República
obcecado em querer: 1. acessar
documentos sigilosos da operação;



  1. articular para que ele fosse alvo
    de sanções disciplinares no
    Conselho Nacional do Ministério
    Público, o CNMP; 3. manobrar para
    que prepostos seus conseguissem
    levar a julgamento o célebre episódio
    do PowerPoint, que alçava Lula a
    líder da organização criminosa que
    tomou de assalto a Petrobras, apesar
    de a apresentação de Dallagnol já ter
    sido considerada legal por quatro
    instâncias judiciais – além de o caso
    já restar prescrito.


O procurador já havia sido alvo
de questionamentos em razão de
palestras ministradas para empresas.
Também enfrentou, em 2019, uma
sórdida campanha destinada a
colocar em xeque sua credibilidade
e a da operação que comandou, com
base em um material roubado por
hackers estelionatários que incluía
trocas de mensagens suas e de
algumas das principais autoridades
da República. Dallagnol, porém,
ainda resistia a abandonar a
coordenação da força-tarefa, por
temer pelo futuro da operação.
Internamente, pessoas próximas a ele
reconheciam que alguns erros
poderiam ter sido cometidos ao
longo de seis anos. Mas, nos últimos


tempos, se consolidava a convicção
de que as críticas e os ataques não
visavam mais a correção dos
equívocos e de possíveis excessos
que poderiam muito bem ser sanados
nas instâncias existentes dentro do
MPF. O objetivo era mesmo
implodir a operação.

Durante a semana, o procurador
se deu conta de que a batalha interna
contra um PGR decidido a atuar em
várias frentes para asfixiar as
investigações e se valer de
informações sigilosas para uso
político parecia perdida. Na noite de
quinta-feira, 27, ele tomou a decisão
de deixar a Lava Jato. Em nenhum
momento, porém, admitiu que estava
saindo em razão dos ataques ou de
qualquer pressão. Publicamente e em
conversas reservadas, sustentou que
tomou a decisão para se dedicar ao
tratamento da filha. Mais cedo,
Augusto Aras havia estado com o
ministro Gilmar Mendes, do Supremo
Tribunal Federal, um dos maiores
críticos da operação na corte.

No dia seguinte ao anúncio,
Dallagnol e Alessandro Oliveira, que
seria anunciado como seu sucessor,
conversaram por telefone. Oliveira,
que vinha atuando na assessoria de
Lindôra Araújo, se colocou à
disposição para uma transição sem
sobressaltos. “A Lava Jato vai seguir
firme, é composta por 14
procuradores da República que
tomam decisão de forma colegiada.
O Alessandro é um colega
competente, dedicado, tem
conhecimento e experiência, é um
colaborador e apoiador da Lava
Jato”, disse.

Nesta quinta, Dallagnol falou a
Crusoé sobre os rumos da operação:

O que fazer para evitar que o
que foi feito seja perdido?
Não existe atalho. Procuradores,
juízes e parlamentares que são
engajados na causa anticorrupção
não conseguirão defender os
avanços ou barrar retrocessos
sozinhos. É preciso apoio e
engajamento cívico. As pessoas
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