Exame - Portugal - Edição 437 (2020-09)

(Antfer) #1

Macro


54. EXAME. SETEMBRO 2020

“O problema central da economia e da
sociedade portuguesa é o seu posiciona-
mento estratégico na viragem do século
XX para o século XXI. A resolução deste
importante problema tem implícita a exi-
gência de estudar a resultante articulação
das características tradicionais e persis-
tentes que têm bloqueado as nossas possi-
bilidades de modernização com as novas
relações, os novos quadros institucionais
e organizativos, as novas linhas estraté-
gicas que se ajustem aos novos quadros
europeu e mundial.”
Estas linhas foram publicadas em 1989,
em Portugal: O Desafio dos Anos 90. Tirando
a referência à viragem do século, podiam ter
sido escritas hoje. O livro assinado por seis
autores – entre os quais Ernâni Lopes, Marçal
Grilo e Joaquim Aguiar – tinha o objetivo de
definir um rumo estratégico para uma eco-
nomia nacional acabada de sair de uma in-
tervenção do FMI e de entrar na promissora
CEE. O documento debatia: a melhor forma
de maximizar as vantagens da integração
nesse espaço europeu, a internacionaliza-
ção da economia, como alcançar e acumu-
lar excedentes externos, modernizar o País
e as dificuldades na formação de elites em
Portugal. Muitos destes chavões continuam
a ser citados como decisivos para o nosso
desenvolvimento e ainda estão por cumprir.
Mas o que ficou deste exercício? “Nada.”
A resposta é de um dos autores, o economis-
ta Joaquim Aguiar, antigo conselheiro políti-
co de Ramalho Eanes e de Mário Soares. “As
preocupações da altura são as mesmas de
hoje: como Portugal pode ser atrativo para
capitais estrangeiros e competitivo face às
restantes economias europeias”, aponta à
EXAME. “Não existe acumulação de capital
e, quando ele aparece, não existem estrutu-
ras para o canalizar.”


É uma visão pessimista do seu próprio
trabalho. Mas destaca um denominador co-
mum a muitos dos esforços de “reflexão es-
tratégica” que debatemos nas últimas déca-
das: a dificuldade de sair do papel, chegar ao
terreno e deixar um legado palpável.
Por que razão isso acontece? Embora
dependa da pessoa a quem se faz a per-
gunta, existe um relativo consenso em re-
lação à perda de capacidade da Adminis-
tração Pública para fazer estes exercícios,
a falta de incentivos políticos para lhes dar
ímpeto e uma excessiva dependência das
prioridades definidas pelos fundos comu-
nitários.
Um diagnóstico que deve servir de avi-
so a António Costa Silva e ao Governo que
tem o seu plano em mãos, depois de pas-
sar por consulta pública em agosto. Como

O


Deixámos
de ser um país
e passámos
a ser uma região
de Bruxelas
e chamamos
a isso
planeamento”

José Félix Ribeiro
Ex-subdiretor
do Departamento
de Prospetiva
de Planeamento

Entrada no clube europeu
A adesão de Portugal à CEE deixou
o planeamento mais focado na
execução de fundos comunitários

D.R.
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