Exame - Portugal - Edição 437 (2020-09)

(Antfer) #1
SETEMBRO 2020. EXAME. 55

impedir que a História se repita no projeto
delineado para recuperar a economia da
pandemia Covid-19?

O PLANEAMENTO DE SALAZAR
A planificação estratégica não é uma novi-
dade. Pedro Lains, investigador do Institu-
to de Ciências Sociais, lembra que as ver-
sões mais primitivas de exercícios como
o de Costa Silva envolviam “planos para
levar a população a ocupar terra desocu-
pada, planos de irrigação e de recuperação
da agricultura e até os planos do Marquês
de Pombal”.
A partir da II Guerra Mundial, esse tipo
de planeamento tornou-se mais frequen-
te e foi aprofundado. “Em Portugal, ape-
sar da ditadura, foram trilhados caminhos
semelhantes ao que se estava a passar nas
democracias, através do lançamento dos
Planos de Fomento”, explica Lains. “Eles
distinguiam-se dos planos quinquenais da
URSS por serem apenas indicativos.”
O primeiro Plano de Fomento serviu
um contexto semelhante ao que enfrenta-
mos hoje, em reação a uma grande crise e
com o objetivo de estruturar a recuperação.
No pós-II Guerra Mundial, com a situação
financeira e cambial mais estável, o Estado
Novo pretendia encurtar as diferenças de
desenvolvimento entre Portugal e as outras
economias europeias, um desígnio recor-
rente nestes exercícios. Aplicado entre 1953
e 1958, o plano passa essencialmente pelo
apoio do Estado à agricultura, embora já
desse alguma atenção ao setor mineiro, ao
transporte e às comunicações.
Seria apenas com o II Plano (1959-64)
que a prioridade da industrialização seria
definitivamente assumida, com destaque
para a siderurgia, refinação de petróleo,
adubos e químicos. O investimento públi-
co dispara mais de 50 por cento. Durante
este período, Portugal haveria se tornar
também membro-fundador da Associa-
ção Europeia de Comércio Livre (EFTA).
O III Plano (1967-73), já com Mar-
celo Caetano no poder, traria uma ten-
dência mais modernizadora, liberal e de
maior abertura ao exterior. Saúde, edu-
cação e agricultura foram eleitas como
áreas prioritárias e foi deste documento
que nasceram dois megaprojetos que se-
riam concluídos muitos anos mais tarde: o
complexo industrial de Sines e o Alqueva.

MANUEL CALDEIRA CABRAL / Ex-ministro da Economia


UMA RECUPERAÇÃO


QUE PREPARA O FUTURO


O antigo ministro elogia o plano de Costa Silva. Diz que é “equilibrado”


e que traz soluções que se adaptam ao contexto de uma pandemia


Num momento em que
a crise pandémica está
a obrigar a uma forte
intervenção pública de
apoio à recuperação, o
trabalho de António Costa
Silva foi muito importante,
por trazer uma reflexão
independente com uma
visão estratégica sobre
a recuperação capaz de
ligar a necessária resposta
de curto prazo com a
promoção do crescimento
de longo prazo.
A visão que apresenta
responde, nos seus dez
eixos estratégicos, aos
desafios que se colocam
à modernização da socie-
dade e da economia por-
tuguesas de uma forma
abrangente e integrada,
com ideias e propostas
interessantes nas áreas
da qualificação, transição
digital, reforço do apoio
à Ciência e à inovação,
de reforço e reforma do
Estado social, e também
de apoio às empresas, de
reconversão industrial e
de novas áreas de aposta
para a industrialização.
A visão apresentada tem
várias ideias novas que se
adaptam à resposta ao
novo contexto da


crise pandémica. Mas é
também muito coerente
com as linhas estratégicas
seguidas pelo Governo de
António Costa desde 2015.
No apoio às empresas,
reforça-se a ideia do apoio
à capitalização dando
continuidade ao Programa
Capitalizar; reforçam-se
os objetivos de digitaliza-
ção da economia, seguin-
do os programas Indústria
4.0 e Incode 2030; defen-
de-se o reforço do apoio à
inovação colaborativa, em
linhas semelhantes às do
Programa Interface, como
o apoio à capacitação dos
centros tecnológicos e dos
laboratórios colaborativos,
e defende-se ainda a
reforma e a digitalização
dos serviços públicos,
um aspeto já central no
Programa Simplex +.

Esta coerência em nada
desvaloriza o trabalho,
apenas mostra que muitas
tendências que devemos
reforçar já se notavam an-
tes da crise pandémica, e
que esta apenas reforçou
a necessidade de acelerar
a mudança.
O plano é equilibrado no
sentido em que salienta
a necessidade de reforço
dos apoios sociais e do
investimento público mas
também de investimento
privado e de apoio à rees-
truturação das empresas.
Nas medidas concretas,
foram muito falados os
exemplos dos investi-
mentos em infraestru-
turas, mas é igualmente
importante referir que
as propostas salientam
de forma muito mais
abrangente a necessidade
de investimento em áreas
imateriais como o apoio à
digitalização dos serviços
públicos, a formação para
o digital, o apoio à Ciência
e à inovação. Estes inves-
timentos não são visíveis
em grandes obras, mas
são igualmente impor-
tantes na promoção das
reformas necessárias para
colocar o País a crescer.
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