Exame - Portugal - Edição 437 (2020-09)

(Antfer) #1

Macro



  1. EXAME. SETEMBRO 2020


O documento trouxe também maior
sofisticação às projeções económicas e ao
próprio planeamento. Ainda assim, conti-
nuava a merecer as críticas feitas a inicia-
tivas anteriores. “A elaboração dos Planos
de Fomento, e este não foge à regra, resul-
tou sempre de uma espécie de acordo en-
tre técnicos, políticos e empresários dei-
xando de fora a maioria dos portugueses,
permanecendo assim arredados de uma
realidade que lhes dizia diretamente res-
peito”, escreve Joaquim Croca Caeiro, pro-
fessor no Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas, num artigo publica-
do em 2005 sobre estes documentos. O
poder empresarial estava agora junto dos
empresários monopolistas na indústria e
na banca, com o plano a contribuir para
a manutenção desse privilégio.


EXPECTATIVAS POR CUMPRIR
A convulsão revolucionária trouxe uma
pausa à planificação (o quarto plano teria
apenas um ano de execução), mas ela é re-
cuperada no I Governo Constitucional. “Era
uma fase ainda muito conturbada. O plano
de Manuela Silva foi a última coisa de maior
dimensão feita pelo Departamento Central
de Planeamento”, recorda José Félix Ribei-
ro, antigo subdiretor do Departamento de
Prospetiva de Planeamento e hoje consultor
da Fundação Calouste Gulbenkian.
A partir desse momento, o planeamen-
to feito pelo Estado “passou a ter como base
os fundos estruturais”, diz à EXAME. “Va-
lente de Oliveira e João Cravinho foram
ministros muito importantes nessa ges-
tão. Como beneficiavam da confiança dos
primeiros-ministros, tinham um grande
poder e capacidade de envolver a socie-
dade. Os ministros setoriais não gostavam
muito deles.”
Fora da esfera pública, não houve falta
de documentos, visões ou estratégias, fre-
quentemente pouco detalhadas, mas nor-
malmente com impacto mediático e que,
de uma forma ou de outra, marcaram a
agenda durante algumas semanas ou me-
ses. O já referido “Desafio dos anos 90” é
um exemplo. Augusto Mateus lembra-se
de outros. O ex-ministro da Economia e
fundador da empresa de consultoria Au-
gusto Mateus & Associados tem sido um
dos principais motores de uma indústria
de produção de estudos, alguns de nature-


ANTÓNIO SARAIVA / Presidente da CIP


UMA VISÃO ESTRATÉGICA


O representante dos patrões pede mais medidas para
as empresas, mas louva o caminho de reindustrialização
desenhado por Costa Silva

O documento de António
Costa Silva fornece, como
o seu título indica, uma
visão estratégica, não um
programa estratégico,
cuja elaboração caberá,
necessariamente, ao
Governo, num processo
que deverá ser de diálogo,
envolvendo a sociedade
civil e, em particular, as
empresas. Costa Silva
aponta nesse sentido
quando propõe um Pacto
Estado/Empresas, no
âmbito do Plano de Recu-
peração Económica.
É um exercício que indica
caminhos, alguns nos
quais me revejo. Desta-
caria a reindustrialização,
que não significa voltar
ao passado, mas dar um
“salto industrial” trans-
formador da economia; o
reconhecimento de que,
para transformar a econo-
mia portuguesa, é preciso
resolver o problema do
financiamento e criar
instrumentos para

acelerar a capitalização
das empresas; também a
valorização do potencial
que representam os
recursos endógenos. Não
esqueçamos, no entanto,
que são os recursos hu-
manos o principal fator de
diferenciação de qualquer
economia. Apesar de
estar clara a aposta no
reforço das qualificações,
incluindo a reconversão
de competências, este
ponto mereceria, na
minha opinião, um trata-
mento mais profundo.
Finalmente, saliento o
reconhecimento de que é

preciso colocar as empre-
sas no centro da recupe-
ração da economia, como
motor do crescimento e
da criação de riqueza.
Não posso deixar de no-
tar, neste aspeto, algum
desequilíbrio entre o nível
de detalhe no que respei-
ta à ação direta do Estado
e a generalidade com que
são abordadas as con-
dições para o aumento
da competitividade das
empresas. Por exemplo,
reconhece-se que a carga
fiscal é muito elevada
e torna o País menos
competitivo, mas não se
retiram consequências
desta constatação.
Com todas as lacunas ou
contradições que pos-
samos eventualmente
apontar, este é um do-
cumento a que ninguém
poderá negar um mérito:
pôr o País a debater a
recuperação em termos
estratégicos.
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