Exame - Portugal - Edição 437 (2020-09)

(Antfer) #1
Relatório Porter
O trabalho de consultoria
feito por Michael Porter na
década de 90 foi, talvez,
o exercício que deixou
legado mais tangível

Macro



  1. EXAME. SETEMBRO 2020


comendar o estudo enquanto ministro da
Indústria de Cavaco Silva, vê um legado
no desenvolvimento de setores tradicio-
nais, como o calçado, têxtil e vestuário e
representantes dessas indústrias têm dito
que o plano foi um guia importante para
se reformarem.
Contudo, nem neste caso o plano
cumpriu todas as expectativas que lhe
estavam reservadas. Em declarações à
EXAME, Mira Amaral diz que aprendeu
algumas lições. “Aprendi com o Relatório
Porter que são precisas equipas de imple-
mentação. Quando eu saí do governo, o
PS abandonou tudo isto. Não basta fazer
o relatório. Este País não liga a estratégia,
quer saber da mais da atualidade e do dia
a dia.”
Mais de uma década mais tarde, um
outro documento procurou captar a aten-
ção nacional. A consultora SaeR lançou,
em 2009, o Hypercluster da Economia
do Mar. O plano teve o mérito de trazer o
“mar” para o debate económico e José Po-
ças Esteves, sócio-gerente da SaeR, con-
sidera que motivou alguns avanços: “Há
um compromisso que já não vai embora”,
afirma. “Os partidos colocaram o mar nos
seus programas, as empresas começaram
a olhar para ele de forma diferente e o pró-
prio governo mudou a sua abordagem aos
portos e à ferrovia.”
Porém, reconhece que, à semelhança
de outros esforços similares, existe uma
dimensão mais palpável e no terreno que
nunca foi concretizada. “A implementação
foi tão complexa que não teve tradução
efetiva em medidas. As coisas avançaram
a nível empresarial, mas a componente
política foi mais lenta.”


SAIR DA GAVETA
Esse tem sido um dos problemas portu-
gueses: os planos são desenhados e apre-
sentados e até podem guiar a discussão
pública, mas, no momento de os tirar
do papel, parece faltar uma cadeia de
transmissão eficaz. Bruno Cardoso Reis,
subdiretor do Centro de Estudos Inter-
nacionais do ISCTE, tem estudado as fra-
gilidades do planeamento em Portugal,
relacionando-as com uma cultura gene-
ralizada de funcionamento da sociedade
portuguesa. “Tendemos a apostar no im-
proviso e numa lógica mais reativa. Isso


é um problema no Estado, mas também
nas empresas e até na cultura dos parti-
dos, que não têm grandes gabinetes de es-
tudo e planeamento. Isso é agravado por
não termos também grande tradição de
think tanks”, afirma o autor do ensaio
Pode Portugal Ter Uma Estratégia?.
Félix Ribeiro não acha que os portu-
gueses não se deem bem com o planea-
mento. “Veja o número de planos que
o Ministério do Ambiente tem a correr
atualmente. Temos uma herança
de planeamento, não temos uma
aversão. Fazemos planeamento
setorial.” Mas ele é eficaz? Bru-
no Cardoso Reis concorda que
“Portugal não tem falta de do-
cumentos com expressão es-
tratégica”. Mas nota que eles

Há uma
desqualificação
da Administração
Pública.
Os governantes
chegam sem
experiência
de gestão
e fecham-
-se nos
gabinetes”

Luís Mira Amaral
Ex-ministro da Indústria

GETTY IMAGES
Free download pdf