Exame - Portugal - Edição 437 (2020-09)

(Antfer) #1
LUCÍLIA MONTEIRO

SETEMBRO 2020. EXAME. 61

A minha


sensação


é de que não


vamos estar


a falar deste


documento


[o plano de


Costa Silva]


daqui


a 30 anos”


Augusto Mateus
Ex-ministro da Economia


Em França, por exemplo, o
Governo decidiu dar essa ta-
refa a uma equipa com 26 dos
maiores economistas do mun-
do, liderada pelo Nobel Jean Ti-
role e o ex-economista-chefe
do FMI Olivier Blanchard.
Noutros países, como a
Alemanha, a estratégia
é desenhada interna-
mente, pelas estrutu-
ras técnicas do Estado.
A verdade é que a
concentração do exer-
cício numa só pessoa
foi um íman de aten-
ção, até pela disponi-
bilidade de Costa Silva
para dar entrevistas e

pela vontade do Governo em dar-lhe gás.
“O” homem e “o” plano provocam um
certo fascínio, característica, aliás, parti-
lhada com o trabalho de Michael Porter.
Félix Ribeiro não é tão duro com o pla-
no. Embora admita que “é pouco centra-
do para ficar na memória”, elogia a am-
bição de exercício, que vai mais longe do
que apenas sugerir onde se deve gastar
dinheiro. “O documento só foi feito para
responder à vinda de fundos, mas Costa
Silva teve a coragem de fazer algo mais
abrangente.”
Mesmo que o impacto imediato des-
tes exercícios muitas vezes desiluda, eles
podem deixar um legado que apenas será
visível anos mais tarde. “Não são planos
estratégicos, mas todas essas reflexões vão
deixando alguma coisa que às vezes é re-
cuperada”, lembra Paes Mamede. E men-
ciona o Relatório Porter como “o estudo
que maior impacto teve”. “Ainda hoje,
quando se fala em clusterização e aposta
em certos setores, o Relatório Porter é ci-
tado. Serviu, pelo menos, para justificar
políticas públicas direcionadas a setores
tradicionais”, argumenta.
E como seria uma forma mais eficaz
de fazer o planeamento estratégico? Aqui,
o relativo consenso da crítica desaparece.
Enquanto Poças Esteves acha que “have-
ria vantagens em não ser um plano deste
Governo, mas sim um desígnio nacional”,
pedindo maior envolvimento do setor pri-
vado, Pedro Lains defende que os planos
bem-sucedidos “nascem dos governos”.
“São construídos de forma a que a polí-
tica de implementação lhes seja inerente
e são depois acompanhados pelos gover-
nantes.”
Independentemente da origem, o mais
importante é que seja o mais inclusivo pos-
sível, diz Poças Esteves. Trazer toda a gente
para dentro da tenda. “A minha experiên-
cia diz-me que se conseguir que os parti-
dos e as empresas o assumam como boa
solução para a economia, fica a semente
para que o plano tenha sucesso, mesmo
que se deixe de falar dele”, assinala.
Tendo em conta a dimensão do desa-
fio – recuperar a economia da segunda
maior recessão em 150 anos –, seria um
ótimo sinal que dentro de várias décadas
continuássemos a falar do “plano de Cos-
ta Silva”. E

Setores tradicionais
Uma das recomendações de Michael
Porter foi a aposta em setores como
o calçado ou o vestuário
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