Exame - Portugal - Edição 437 (2020-09)

(Antfer) #1

Macro



  1. EXAME. SETEMBRO 2020


de sol e praia. Mas gostava também de di-
zer o seguinte: além dos vínculos precários,
assistimos no turismo a um tema que me
preocupa, a disparidade salarial homem/
mulher. As mulheres foram as primeiras a
perderem rendimentos, a ser dispensadas...
Temos de pensar não só na natureza do vín-
culo de trabalho dos profissionais do setor,
que estão muito dependentes desta sazona-
lidade, mas no perfil funcional. As mulheres
são tipicamente contratadas para funções
tecnicamente menos exigentes – camarei-
ras, cozinheiras, enfim... Não queria dar
exemplos específicos, mas estamos a falar
de funções que são entendidas como exi-
gindo menos qualificações, e esse estigma
tem de ser combatido. Os homens acabam
por ter funções mais de gestão, com outro
tipo de reconhecimento funcional, que aca-
ba por se transformar em reconhecimento
salarial. Portanto, temos de ir caminhando
no sentido de ir esbatendo estas assimetrias.


Há ações concretas pensadas?
Por acaso, sim. Tenho vindo a trabalhar
com a senhora secretária de Estado da
Igualdade, Rosa Monteiro, e temos algumas
iniciativas para cumprir dois objetivos: va-
lorizar as profissionais, as senhoras do se-
tor (isto pode ser feito de várias formas, fi-
nanceiramente mas não só, nomeadamente
através do envolvimento das nossas escolas
do Turismo de Portugal); e, por outro lado,
trabalhar para que todas aquelas profissio-
nais que estão num estado de desemprego
sejam absorvidas pelo setor – não no ime-
diato, mas acredito que num futuro muito
próximo vamos voltar a celebrar vitórias.
Estamos a falar de pessoas que provavel-
mente até tiveram outros percursos de vida
que não passaram pelo turismo, mas que
possam ser absorvidas de forma adequada.


Continua a ser difícil pensar nas pessoas
como ativos, em Portugal?
Sim, as pessoas têm de ser acarinhadas,
cuidadas, nutridas. É muito curioso le-
vantar essa questão porque, visto de uma
forma redutora, se quiser, o turismo é mes-
mo um setor de pessoas para pessoas. Nós
viajamos para encontrar belas paisagens,
belas praias, fazer caminhadas, relaxar.
Mas se encontrarmos pessoas agradáveis,
hospitaleiras, simpáticas, provavelmente
teremos uma experiência muito mais com-


Isso aconteceu porque os turistas estão
mais exigentes?
Temos de ser todos mais exigentes – em-
presários, governantes, turistas. Temos de o
ser! Sinto que os empresários do nosso setor
reconhecem hoje que ter um bom profissio-
nal a servir à mesa, uma boa rececionista,
uma boa camareira, introduz seguramente
valor e uma experiência acrescida. E agora
com estas plataformas digitais, as avaliações
são muito mais imediatas. As pessoas, para
estarem preparadas, têm de estar minima-
mente qualificadas e empenhadas. Ou seja,
além de terem a qualificação toda, têm de se
sentir bem a ser bons embaixadores. E acho
que os empresários estão cada vez mais a
ganhar esta consciência. Mas continua a ser
um desafio muito grande.

Esta pandemia fez-nos voltar a olhar para
o Interior – se é que podemos falar de Inte-
rior num País tão pequeno como o nosso?
Sim, já estávamos a trabalhar com essa di-
mensão e agora reforçámo-la. Vamos re-
forçar o programa Valorizar, para dar um

pleta e mais enriquecedora. Muitas vezes
preocupamo-nos com o segundo grupo – o
dos turistas, como os vamos captar, como
garantimos que eles ficam cá mais tempo,
que gastam mais –, mas tendemos a esque-
cer-nos do primeiro. É muito importante
sensibilizar as empresas para a importân-
cia de nutrirem quem as visita mas tam-
bém quem as recebe. E esta nutrição, este
reconhecimento, este acarinhamento pode
ser feito de várias formas. Já falámos do re-
conhecimento salarial, e de facto no setor
do turismo o salário médio está abaixo das
outras atividades económicas em Portu-
gal; mas falamos também da conciliação
da vida pessoal e profissional – sendo mãe,
tenho especial atenção a isto. É difícil traba-
lhar no turismo porque eventualmente tra-
balharemos julho, agosto e setembro, que
é quando os nossos filhos estão em casa, e
possivelmente aos fins de semana, quando
os nossos filhos também estão em casa. Há
aqui uma série de preocupações que devem
estar presentes nos gestores do turismo. O
desafio é enorme, enorme, e temos de tra-
balhar em dois níveis. Por um lado, a nível
da gestão, sensibilizando os empresários e
eventualmente criando um enquadramen-
to mais favorável que permita que estas ne-
cessidades de quem tem família, homens
ou mulheres, sejam atendidas – pessoas
que queiram viver na sua plenitude, que a
vida não é só trabalho; e, por outro, a nível
do próprio profissional, garantindo que ele
tem as qualificações adequadas para rece-
ber bem e passar essa boa experiência.

É preciso mais formação?
No Turismo de Portugal, e sobretudo nas es-
colas, temos feito esse trabalho muito minu-
cioso. Por exemplo, agora incluímos em to-
dos os programas uma disciplina que é a do
Turismo Acessível, uma novidade que é ba-
sicamente para se saber bem receber as pes-
soas com mobilidade reduzida, que têm al-
gum tipo de limitação física ou não física, os
seniores. Durante a pandemia formámos 55
mil profissionais. Foi feito um esforço enor-
me no sentido de termos cursos online, nos
quais foram discutidas imensas temáticas;
fizemos formações gratuitas com diferentes
durações, contámos com a colaboração de
consultores, de empresários... Acho que foi
um momento em que aproveitámos mesmo
para fazer a diferença.
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