Exame - Portugal - Edição 437 (2020-09)

(Antfer) #1

Macro



  1. EXAME. SETEMBRO 2020


tranho, tendo em conta que grande parte
dos jogos envolvem algum tipo de gestão
de recursos ou dinheiro (virtual e real).
Ian Bogost, académico, autor e cria-
dor de videojogos, notou a relevância da
dimensão financeira no comportamen-
to dos seus filhos. Um dia, o mais velho
foi ter com ele preocupado porque, após
algum tempo a jogar Animal Crossing,
precisava de uma casa maior para colo-
car tudo aquilo que comprou, mas já não
tinha dinheiro para pagar ao Tom Nook.
Num artigo publicado na revista Hacking
Finance, Bogost lembra ter sido “um mo-
mento muito dramático”. “Ali estava o
meu filho, com 5 anos, a perceber a ar-
madilha do endividamento.” É o exem-
plo que dá sempre que quer demonstrar
o poder de persuasão dos jogos.
E é também por isso que acha que es-
tes jogos são, muitas vezes, uma oportu-
nidade perdida. “É impressionante que a
educação infantil tenha encontrado mé-
todos tão sofisticados, bem investigados
e que já deram provas ao longo do tempo
para ensinar a ler e escrever, mas fez tão
poucas tentativas para fazer o mesmo com
a literacia financeira.”
Na maioria destes videojogos com di-
nheiro, não existem incentivos para o jo-
gador poupar e não existem custos asso-
ciados com uma compra. O carro nunca
tem seguro para pagar anualmente, nem
é preciso mudar a água ao aquário onde


estão os peixes. Que cidadãos estamos a
formar? Foi isso que a EXAME perguntou
a Bogost. O académico resumiu a resposta
numa palavra: consumidores. “A grande
maioria dos jogos que incluem algum tipo
de modelo económico ou financeiro – seja
dinheiro real ou fictício – é feita de convi-
tes para acumular e gastar fundos, maio-
ritariamente em bens e serviços. A cole-
ção está normalmente ligada ao trabalho
de jogar o jogo, embora também possa ser
uma recompensa pelo risco. Os benefícios
de poupar são praticamente nulos”, expli-
ca por email. “Investir ou seguir planos fi-
nanceiros de longo prazo é normalmente
impossível e raramente estão modelados
sequer no jogo. Portanto, sem mais nada
que fazer além de ‘ganhar’ e gastar, essa é
a lição que esses jogos ensinam, seja esse
o seu objetivo ou não.”

O PODER DOS JOGOS
Salomé Nobre tem 9 anos e diz que os
jogos do tablet servem para se distrair.
“Quando estou muito nervosa com um
teste, ajudam-me. Entro no jogo e esque-

Suspeito que
as crianças
aprendem muito
sobre sistemas
económicos
no abstrato a
jogar, mas tenho
menos confiança
de que esse
conhecimento
seja aplicado
diretamente”

Seth Giddings
Professor na Universidade
de Southampton
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