Exame - Portugal - Edição 437 (2020-09)

(Antfer) #1
SETEMBRO 2020. EXAME. 89

ço tudo”, conta por videochamada, entu-
siasmada por estar a falar dos seus jogos
preferidos, quase todos relacionados com
cavalos.
O que não significa que seja imune às
mensagens financeiras do jogo. Uma das
suas birras mais complicadas – descrita
pelos pais e que ela confirma – teve ori-
gem no jogo Pony Trails, quando a irmã,
de 5 anos, lhe vendeu o cavalo que tinha
e lhe gastou quase todo o dinheiro. Por-
que ficou tão zangada? “Acho que foi por
me lembrar do tempo todo em que estive
a jogar aquele jogo [até atingir aquele va-
lor]. É difícil ter uma foto profissional [do
cavalo], ganhar um presente e dinheiro.”
Hoje, embora já conte o episódio a rir-se,
ainda não recuperou totalmente a quan-
tia perdida devido à irresponsabilidade
financeira da irmã.
Foi um pouco a mesma desilusão que
sentiram os jogadores de Animal Crossing
quando perceberam que as suas poupan-
ças não iam render o mesmo no banco.
A economia está sempre presente. Seth
Giddings, professor de Cultura Digital e


Design na Universidade de Southamp-
ton, nota que “alguns jogos apresentam
sistemas financeiros e económicos como
centrais para a sua jogabilidade e tema”.
“São normalmente simulações em jogos
como SimCity. Muitos outros têm o di-
nheiro como um aspeto saliente do jogo


  • quase todos os de aventura, jogos mul-
    tiplayer online, muitos jogos para crian-
    ças, envolvem acumulação de dinheiro ou
    um recurso semelhante ao dinheiro, como
    ‘gemas’”, diz à EXAME.
    Os jogos podem ser mecanismos po-
    derosos de compreensão de ideias com-
    plexas. Ian Bogost assinala que eles “es-
    tetizam as ligações entre várias partes
    móveis de um sistema”. “Dado que muitos
    dos problemas mais difíceis são também
    sistemas complexos – clima, saúde, eco-
    nomia, política, etc. –, os jogos oferecem
    o potencial para, pelo menos, descrever
    esses problemas de forma nativa: ao ca-
    racterizá-los como sistemas complexos,
    com muitas variáveis, em vez de estáticos,
    e capazes de serem descritos e percebidos
    como inteiros.”


O ambiente de maior informalidade
dos videojogos permite maior explora-
ção e liberdade para errar, aponta Tiago
Sousa, diretor operacional da Associação
de Empresas Produtoras e Distribuidoras
de Videojogos. “O elemento de tentativa e
erro pode ser explorado livremente, per-
mitindo que cada um possa testar diversas
possibilidades e abordagens, sem com isso
incorrer em consequências reais”, diz à
EXAME, dando como exemplos o já referi-
do SimCity, as diferentes iterações de Ty-
coon (de construir parques de diversões a
jardins zoológicos) e o Football Manager.
Tiago Sousa nota que essa capacidade
já é aproveitada por outras empresas que
não têm nada que ver com comandos e
consolas. “É comum muitas empresas que
não estão ligadas ao setor dos videojogos
optarem por soluções de gamificação nos
seus processos”, assinala. Ou seja, usam
“elementos que são nativos nos videojogos
para veicularem ações de formação, quer
através de simulações (aviação, desporto
automóvel, cirurgia, etc.), passando por
ferramentas de estratégia, gestão, resolu-
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