Exame - Portugal - Edição 437 (2020-09)

(Antfer) #1

Macro



  1. EXAME. SETEMBRO 2020


ção de problemas, entre muitas outras”.


LIÇÕES LIMITADAS
É fácil deixarmo-nos entusiasmar pelas
possibilidades, mas não é certo que os vi-
deojogos estejam a moldar comportamen-
tos de forma alargada. “Eu falo em ‘poten-
cial’ [de influência], porque a verdade é
que os jogos nunca fizeram isso, não em
grande escala, e não de uma forma que
tenha tido um impacto demonstrativo na
sociedade global”, alerta Bogost.
A transferência de comportamentos
do mundo virtual para o “real” tem gerado
discussões apaixonadas e criado algumas
ideias simplistas. Veja-se o debate antigo
que existe acerca da relação entre os jo-
gos e a violência, principalmente desde o
massacre de Columbine, nos Estados Uni-
dos da América. Giddings acha que deve-
mos ser especialmente cautelosos. “Os jo-
gos são máquinas muito sofisticadas para
ensinar os jogadores sobre dinâmicas de
sistemas económicos, relações de valor e


regras e construía lentamente o seu par-
que, enquanto a outra fazia batota e ten-
tava acelerar o jogo. Os autores argumen-
tavam que o jogo estava mais a expor os
valores e interesses de ambas do que a
condicioná-las. “Suspeito que as crianças
aprendem muito sobre sistemas econó-
micos e dinamismo no abstrato ao jogar,
mas tenho menos confiança de que esse
conhecimento seja aplicado diretamente
e de forma evidente.”

CAPITALISMO DE CONSOLA
Os videojogos relacionam-se tam-
bém com os sistemas económicos. Mes-
mo que essa possa não ser a intenção dos
seus criadores, eles funcionam frequente-
mente como um espelho da sociedade que
os criou ou uma expressão daquilo a que
aspiramos ser. O caso de Animal Crossing
é curioso porque mistura esses dois ele-
mentos e o seu sucesso coincide com um
momento de profunda crise económica
e enorme incerteza em relação ao futuro.

troca, de investimento e retorno. Contudo,
é sempre importante lembrar que os jogos
digitais são desenhados para serem joga-
dos. Não são meras versões simplificadas
do mundo verdadeiro, mas metamorfoses,
versões invertidas do género ‘mundo virado
de cabeça para baixo’.”
Essa cautela sobre as lições dos jogos
também se aplica às crianças. A forma
como a Salomé joga é um bom exemplo.
Em primeiro lugar, porque gere o dinhei-
ro virtual de forma cautelosa. “Sou como o
Tio Patinhas. Se quiser comprar um cavalo
[o jogo preferido envolve a compra de ca-
valos] que custa 15 mil, prefiro esperar até
juntar 35 mil para não ficar a zeros.” Em
segundo, porque diz perceber as diferenças
para a vida real. “Se todos os dias tirares um
bocado do teu tempo para jogar, consegues
chegar a um milhão [no jogo]. Na vida real,
ganhas um salário uma vez por mês.” E é
difícil ter um milhão na conta. “Pois.”
Giddings sublinha que “é difícil, talvez
mesmo impossível, aferir como as crianças
retiram lições de um jogo de vídeo”. “Elas
certamente aprendem como trabalhar com
dinheiro virtual de formas complicadas e
criativas. E podem desenvolver ou expres-
sar o seu próprio sentido moral através de
acumulação e gastos.”
O académico cita um estudo feito em
2008 sobre duas crianças que jogavam Zoo
Tycoon, em que se constrói e cuida de jar-
dins zoológicos. Uma delas jogava pelas
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