Revista de Vinhos - Edição 370 (2020-10)

(Antfer) #1
Um longo caminho

O ‘know-how’ francês contri-
buiu, no entanto, para a ascensão
dos Vinhos Verdes brancos.
Em 1939, a família Guedes da
Quinta da Aveleda contratou o
enólogo francês Eugène Hélisse,
cujas melhorias enológicas
deram origem ao Casal Garcia,
a marca mais vendida do Vinho
Verde. Eminentes especialistas
em vinhos brancos de Bordéus,
Denis Dubourdieu e Valérie
Lavigne continuaram as melho-
rias tecnológicas, contribuindo
para o sucesso dos vinhos da
Quinta da Aveleda, feitos a partir
de vinhas em modernos sistemas
de condução, em detrimento das
antigas vinhas em ramada ou
enforcado.
Este modelo moderno deu
origem a brancos mais frutados,
com ano de colheita. Menos dependentes do açúcar
residual ou do gás carbónico para obter equilíbrio,
se bem que um pouco ‘limpos demais’ para paladares
mais exigentes, este estilo contemporâneo de Vinho
Verde tornou-se popular no Reino Unido. Este ano,
um exemplar da marca de uma conhecida cadeia de
supermercado fez até uma curta aparição especial no
‘Coronation Street’, a telenovela mais antiga da Grã-
Bretanha.
Mais ambicioso ainda, tal como o queijo britânico
artesanal, o Vinho Verde de topo mostra a diversi-
dade da maior região de Portugal. No Reino Unido,
a Quinta de Soalheiro, Anselmo Mendes, a Quinta do
Ameal e, mais recentemente, o pioneiro da biodinâ-
mica, Aphros, trilharam novos caminhos com vinhos
monovarietais de diferentes sub-regiões - Alvarinho
de Monção e Melgaço e Loureiro do Lima (a casta
Avesso de Baião parece fadada ao mesmo). Estes
produtores continuam a ultrapassar os limites, desa-
fiando as perceções, com o novo ímpeto dado pela
próxima geração de produtores. Para a frente, para
cima, às vezes para trás, a(s) direção(ões) da viagem
é emocionante.
O pupilo de Anselmo Mendes, Márcio Lopes
(Pequenos Rebentos), é um dos mais aventureiros
‘players’ da nova geração do Vinho Verde. Lopes,
um micro-produtor, seleciona uvas com rigor, fer-
mentando naturalmente Loureiro e Alvarinho, adi-
cionando o mínimo de enxofre (nenhum para o Pet
Nat Loureiro). Os invulgares Selvagem e Atlântico
de vinhas velhas tradicionais em enforcado e ramada,

exploram variedades locais
menos conhecidas. Com per-
sonalidade e profundidade, o
Selvagem é feito de Azal - uma
uva “muito rústica”, diz o enó-
logo. Proveniente de vinhas de
Amarante plantadas em 1934,
Márcio Lopes poliu com sen-
sibilidade este diamante em
bruto, podando muitas folhas e
cachos para melhorar a matu-
ração e concentração, fermen-
tando-o nas películas e enve-
lhecendo em ânfora e velhas
barricas de carvalho francês.
No Sem Igual, outro produtor
‘new wave’, o jovem casal João
e Leila Camizão está também
a fazer vinhos de nicho a partir
do Azal de Amarante (agora
loteados com Arinto), incluindo
dois exemplares de produção
limitada de ramada.
Enquanto os vinhos Pequenos
Rebentos são estruturados e intensos, prensados após
apenas 24 horas de contacto pelicular, o Atlântico é
um tinto ‘glou glou’, fresco e leve, feito a partir das
castas Caínho Tinto, Alvarelhão e Pedral, de vinhas
velhas em ramada. Os tintos gozam de um mini-re-
nascimento. O Aphros elevou o Vinhão, controlando
o tanino alto e acidez sem perder vigor, mas fiquei
encantada com o novo Ouranus, um tinto emocio-
nante e perfumado da casta Alvarelhão. Em Monção
e Melgaço, Anselmo Mendes está a plantar uma vinha
de seis hectares principalmente para Alvarelhão e
outras uvas tintas que, diz ele, “faziam historicamente
parte da sub-região, mas foram esquecidas e substi-
tuídas por Vinhão (infelizmente)”. E está convencido
do “grande potencial para o estilo tradicional, fresco e
de cor clara, de vinhos que já fizeram parte da história
da região”.
Traduzindo como “vinho jovem”, o Vinho Verde
pode muito bem significar, em alguns aspetos, região
jovem. Dinâmica e em evolução, provou ser capaz
de produzir com sucesso vinhos de marca quoti-
diana - agora também premium -, mas os primeiros
ainda dominam a imagem do Vinho Verde, tal como
o “commodity” Cheddar domina a perceção do queijo
britânico. Como Márcio Lopes afirma, com interesse
crescente em pequenos projetos existe maior ape-
tite em conhecer as pessoas e a história por trás do
projeto e, “para o Vinho Verde, é importante, porque
podemos mostrar que é uma região versátil, onde se
podem fazer vários estilos diferentes, distantes dos
vinhos leves, com adição de gás”.

Os tintos gozam de um


mini-renascimento. O


Aphros elevou o Vinhão,


controlando o tanino alto


e acidez sem perder vigor.


Em Monção e Melgaço,


Anselmo Mendes está a


plantar uma vinha de seis


hectares, principalmente


para Alvarelhão e outras


uvas tintas. E está


convencido do “grande


potencial para o estilo


tradicional, fresco e


de cor clara, de vinhos


que já fizeram parte da


história da região”.


Sarah Ahmed, jornalista e crítica de vinhos

OPINIÃO

12 · Revista de Vinhos ⁄ 370 · setembro 2020 @revistadevinhos

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