Revista de Vinhos - Edição 370 (2020-10)

(Antfer) #1
CRÍTICA GASTRONÓMICACRÍTICA GASTRONÓMICA

Preço médio, por pessoa,
com bebidas: 25,00/30,00€.
Pagou-se por esta refeição
69,00€ (duas pessoas).

classificação


Vinho s


Sala


Cozinha


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escabeche de funcho, que leva, entre outras coisas,
puré de alcachofras, poderia ser um desastre não fosse
o escabeche ser ligeiro no vinagre e o puré delicado.
Porém, Marc nem entra em dramas com estas questões,
preferindo encará-los antes como desafios.
Das duas vezes recentes que fomos ao Senhor Uva,
experimentámos praticamente toda a carta, snacks e
pratos “para petiscar”, num total de doze. É verdade
que a apreciação é diferente quando se vai num grupo
de seis pessoas, como no primeiro jantar. Neste caso,
o convívio sobrepôs-se a uma apreciação mais deta-
lhada dos pratos. Tudo agradável, com sabor, sem que
algo se destacasse particularmente. O que não tem
nada de mal. Afinal, a especificidade do lugar, com uma
forte componente vínica e um estilo de cozinha com
abundância de ingredientes e pratos para partilhar,
proporcionam o convívio. Porém, quando voltámos a
dois, saboreámos com outra atenção e alguns porme-
nores evidenciaram-se. Reparámos na harmonia das
conjugações, no agradável subtil toque cítrico do esca-
beche de funcho; na frescura do labneh com ervilhas,
favas pepino menta e ameixa; no umami do molho césar
vegano (com caju, feijão branco, fermento, alcaparras,
mostarda, sumo de limão e azeite) que acompanha a
salada de alface romana, kale e uvas; e na textura volup-
tuosa da burrata, servida com tomate, pêssego, chutney
de tomate e cebola roxa. É verdade que torci o nariz em
relação à beringela no forno com miso (um dos ingre-
dientes fetiche de Stéphanie) e alho negro, não por
falta de sabor, mas devido ao excesso de sal do pickle


  • também de beringela - que desequilibrou o prato.
    Porém, acabámos a fazer uma vénia à harmonia digna
    de registo, entre frescura e doçura certa, na sobremesa
    de melancia granizada com morango e coco.


Já aqui elogiámos o capítulo dos vinhos e volto a
ele apenas para recomendar um dos que bebemos, o
branco da Borgonha de Aligoté, Bréau, do négociant Vini
Viti Vinci (Laurent Vauthier). A Aligoté é uma casta pre-
terida a favor da mais expressiva e famosa Chardonnay
que, como é sabido, domina quase por completo a pro-
dução de brancos nesta região. Porém, houve quem não
tivesse ido na onda e mesmo quem tenha vindo a recu-
perar esta casta antiga. Este Bréau, de vinhas velhas,
plantadas em solos argilo-calcários, e de vinificação
natural, é um bom exemplo do que se pode fazer na
região com uma casta dita menor e a preços acessíveis.
De facto, é um vinho vibrante, cheio, de notas cítricas e
maçã verde e boa acidez final. Um vinho que apetece
beber, beber e beber.
Uma nota final para o serviço. Fala-se muito na falta de
formação e de motivação do pessoal de sala, sobretudo
nos restaurantes de preço médio. Também aqui elogio
o bom trabalho que se faz no Senhor Uva. É que, antes
de se tornar um escanção autodidata, Marc Davidson foi
responsável por vários restaurantes e nota-se no aten-
dimento o cuidado que tem em formar e motivar a sua
pequena equipa, não lhe poupando elogios públicos.
Em troca, eles retribuem com empenho e uma hospitali-
dade informal sincera sem derrapar no profissionalismo.
Definitivamente, o Senhor Uva é uma pequena joia e um
projeto independente que vale a pena conhecer e fre-
quentar.

Senhor Uva
R. de Santo Amaro 66A, 1200-804 Lisboa / T. 21 396 0917
Horário: segunda-feira a domingo, das 18h00 às 23h00

122 · Revista de Vinhos ⁄ 370 · setembro 2020 @revistadevinhos

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