Revista de Vinhos - Edição 370 (2020-10)

(Antfer) #1
OPINIÃO

P


oucas mulheres no mundo foram mais
lindas, requintadas e glamorosas do que
a atriz norte-americana Grace Kelly
(1929-1982), que se tornou Princesa do
Mónaco pelo casamento com Rainier
III, governante da cidade-estado. Foi considerada “a
princesa mais bonita da história”, vestia-se com ele-
gância e tornou-se ícone da moda feminina, copiada
no mundo inteiro. Inspirou estilistas modernos, como
o norte-americano Tommy Hilfiger, conhecido por
celebrar a essência do estilo ‘cool’ clássico e admi-
rador assumido. Entretanto, mesmo sem motivo, a
princesa preocupava-se muito com a silhueta.
Em 1955, ao ganhar o Óscar e o Globo de Ouro com
o filme dramático “Para Sempre”, Grace Kelly media
1,70 metros de altura e pesava 53 quilos. Como atriz,
protagonizou onze filmes e recebeu dez nomeações
para os principais prémios da indústria cinemato-
gráfica mundial, entre os quais o Globo de Ouro, que
venceu duas vezes. Em 1956, enquanto esperava a
filha Carolina, foi fotografada com uma mala da fran-
cesa Hermès. Colocava-a sobre a barriga de grávida,
para esconder a protuberância. Fundada em 1837 e
famosa pelos seus produtos de couro, a Hermès des-
frutou da publicidade espontânea. O acessório foi
popularizado com o nome Kelly.
A princesa alimentava-se de saladas, sopas leves,
filet mignon grelhado e almôndegas magras com
puré de batata, para não engordar. Evitava gorduras

e fritos, mas abria uma exceção: gostava do pastel de
bacalhau, clássico da cozinha de Portugal. Talvez não
ligasse ao facto de cada um fornecer cerca de 130
calorias. Quem lhe apresentou o pastel de bacalhau
foi o seu mordomo em Paris, o português António
Clara. Saboreou-o pela primeira vez na condição de
petisco, acompanhado com arroz de grelos. A família
de Grace Kelly também se rendeu à maravilha.
António Clara, nascido na vila de Canas de
Senhorim, perto de Viseu, emigrou para França
à procura de trabalho, permanecendo vinte anos
naquele país. Empregou-se na embaixada portuguesa
em Paris, depois trabalhou num grande hotel da
cidade e a seguir no palacete do Barão de Waldner.
A certa altura, fez o curso de hotelaria. Quando os
príncipes do Mónaco compraram o palacete, situado
no coração da capital francesa, pediram a António
Clara para continuar como funcionário. O mordomo
aceitou e trabalhou três anos com os novos donos.
Quem conta essa história é Manuel Guimarães,
no capítulo “À Mesa Com Grace Kelly”, do livro de
crónicas “À Mesa Com a História” (Colares Editora,
Sintra, 2001).
No palacete parisiense moravam os filhos do casal
de príncipes – Carolina, Alberto II e Stéphanie do
Mónaco, enquanto estudavam em França. Grace
Kelly acompanhava a educação dos três, como mãe
dedicada e dona de casa comum, “mantendo com
a família Clara, que vivia de portas adentro, uma

Grace Kelly e o pastel


de bacalhau


A princesa Grace do Mónaco alimentava-se de saladas, sopas leves, filet mignon grel-
hado e almôndegas magras com puré de batata, para não engordar. Mas abria uma
exceção: gostava do pastel de bacalhau.

J. A. Dias Lopes, crítico gastronómico

J.A. Dias Lopes é considerado a referência do jornalismo gastronómico no Brasil. Escreve atualmente na edição online da “Veja”,
já colaborou com várias publicações e é ainda diretor de redação da “Gosto” e autor de vários livros sobre história e gastronomia.

14 · Revista de Vinhos ⁄ 370 · setembro 2020 @revistadevinhos

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