Revista de Vinhos - Edição 370 (2020-10)

(Antfer) #1
Da tradição à modernidade

Mais do que um artefato his-
tórico, estes antigos lagares são
muito procurados por quem faz
vinhos de mesa no Douro e nou-
tros locais de Portugal. E há até
novas adegas que são equipadas
com lagares de aço inoxidável.
Uma concessão à modernidade é que muitas vezes
são equipados com alguma forma de controlo de tem-
peratura.
Outra forma de extração rápida é um grupo de
técnicas que se enquadram na categoria de extração
a quente. A ideia de aquecer as uvas para facilitar a
extração é antiga mas, apesar de algumas engenhocas
impressionantes do início do século 20 idealizadas
com esse processo em mente, nunca se popularizou
até aos anos 60. Em França, quando uma série de más
colheitas aumentou o interesse no tratamento tér-
mico das uvas, a principal motivação não era neces-
sariamente a extração, mas a inativação das enzimas
na casca das uvas que foram infetadas por Botrytis
cinarea, que podem causar oxidação.
O princípio por trás da extração a quente é que as
uvas são aquecidas antes da fermentação para faci-
litar a extração. As uvas são tipicamente aquecidas
a 50-90ºC e mantidas por um certo período. Em
seguida, as uvas sofrem pressão - imediatamente ou
após uma curta fermentação com películas - e fer-
mentam em fase líquida, fora das películas, como
se faria com um vinho branco. A ideia é que esta
extração rápida permite retirar o que deseja: antocia-
ninas e compostos e precursores aromáticos, e apenas
um pouco de tanino. E é fácil controlar a temperatura
de fermentação.
Em França, o termo termovinificação é reservado
para macerações curtas (uma hora ou pouco mais)
a altas temperaturas, enquanto a MPC (macération
préfermentaire à chaud) descreve a pré-fermentação
a 70ºC por um período mais longo (normalmente
12h), seguida por fermentação em sólido ou em fase
líquida. Na Alemanha, existe uma técnica chamada
KZHE, que é um tratamento curto a alta tempera-
tura (2 minutos a 85ºC) seguida por 6-10h a 45ºC

e fermentação em fase líquida.
Flash détente é uma técnica de
extração de calor que envolve
aquecer as uvas a 85ºC por um
curto período de tempo por
injeção direta de vapor e, em
seguida, usar um vácuo para que
a água no interior das células
ferva, tornando tudo muito
mais extraível. Isso pode reduzir
o carácter vegetal e é bom para uvas que não estão
totalmente maduras. Também ajuda a manter o perfil
varietal do vinho, que se pode perder com algumas
das outras técnicas de termovinificação: um problema
comum citado nessas técnicas são os aromas padro-
nizados e descritores associados a iogurte de banana.
Até agora debruçamo-nos sobre técnicas de
extração curtas e rápidas. Na outra extremidade do
espetro está uma técnica pós-fermentativa de mace-
ração da película. Se a extração que ocorre durante a
vinificação do Vinho do Porto – rápida, por dois ou
três dias, principalmente na fase aquosa - está num
extremo, então a maceração pós-fermentativa com as
películas em contato com o mosto e o vinho está no
outro. Em alguns casos, pode durar até um ano, mas
normalmente dura entre 30 a 90 dias.
A experiência dos enólogos mostra que, ao con-
trário do que se poderia esperar, ao fazer uma mace-
ração muito longa, a sensação do vinho na boca
muda: em vez de ser áspero e tânico, verifica-se algum
tipo de química complicada onde os taninos e as anto-
cianinas se recombinam e produzem polímeros pig-
mentados com sabor menos áspero. A química é um
pouco incerta, mas parece que toda a polpa da uva
no recipiente fermentador pode estar a filtrar também
os taninos. Os taninos das sementes, que todas as
técnicas de extração curta parecem minimizar, são
extraídos. Mas algo acontece com estes porque os
vinhos resultantes não têm gosto amargo. É algo um
pouco misterioso.
Entre estes dois extremos, há muitas formas de
extrair a cor e os taninos das películas. Parece agora
claro que não há receitas formatadas: a abordagem
adotada depende dos objetivos quanto ao perfil dos
vinhos, da região, da variedade da uva e também da
colheita. É realmente um tópico muito interessante.

OPINIÃO

Há muitas formas de


extrair a cor e os taninos


das películas. Parece


claro que não há receitas


formatadas: a abordagem


adotada depende dos


objetivos quanto ao perfil


dos vinhos, da região,


da variedade da uva e


também da colheita.


Jamie Goode

20 · Revista de Vinhos ⁄ 370 · setembro 2020 @revistadevinhos

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