Revista de Vinhos - Edição 370 (2020-10)

(Antfer) #1
José João Santos, jornalista e crítico de vinhos

C


ertamente já terei sido injusto na ava-
liação de alguns vinhos ou terei sobre-
valorizado outros, que mais me entusias-
maram. É um risco inerente à função.
Os que falam, escrevem, comentam e
pontuam vinhos não são infalíveis e devem, inclusive,
estar preparados para o exercício do contraditório.
Como em tudo na vida, também no vinho entendo
que se nos levarmos demasiado a sério corremos o
risco da soberba do pensamento. Em última análise
podemos ficar toldados pelo que acreditamos ser o
primado da razão – a nossa opinião, portanto. Aceitar
responsabilidade com alguma leveza e naturalidade
parece-me salutar, desde que não resvalemos para a
desresponsabilização ou a ligeireza.
O julgamento público de um vinho é frequente-
mente um ato individual. Não raras vezes, todavia, é
a súmula de um conjunto de avaliações – como numa
mesa de jurados de um concurso ou em reuniões alar-
gadas de painéis de provadores, por exemplo. Em qual-
quer caso deve estar suportado por conhecimentos de
base sólidos, sendo a experiência de prova e a abran-
gência de diferentes realidades inegáveis mais-valias.
Numa prova “às cegas” – sem conhecimento prévio

da casta, do país, da região, do produtor, etc. –, quanto
mais diversificado for o “background” do provador,
melhor. Perante uma jornada de provas com três,
quatro, cinco ou mais dezenas de exemplares do
mundo, a mundividência conta, é relevante. Estranho,
por isso, a frequência de expressões como “não gosto
deste tipo de vinho”, saídas da boca de alguns prova-
dores durante um momento de prova. Ciente da sub-
jetividade que avaliar um produto da esfera do gosto,
como é o vinho, sempre encerra, defendo que o pro-
vador deverá colocar o rigor técnico acima do gosto
pessoal. Não sou fã de música clássica mas tenho obri-
gação de perceber se uma orquestra está melodiosa
ou dissonante.
A par dessa avaliação de matriz técnica, sempre
que necessário importa captar “a estética do vinho”


  • uma expressão muito feliz recentemente usada por
    um conhecido enólogo português que, em conversa
    descontraída, reconhecia que muitos enólogos estão
    apenas treinados para captar imperfeições nos vinhos
    tendo dificuldades na interpretação geral de vinhos
    tecnicamente imperfeitos. A um bom provador exi-
    gem-se ambas as dimensões: a compreensão técnica e
    a contextualização estética do vinho.


José João Santos, diretor de conteúdos da EV-Essência do Vinho, tem a paixão da escrita,
da reportagem, da formação e da prova. É ainda autor do podcast "Vinho, Palavra a Palavra".

OPINIÃO

A avaliação e os bitaites


sobre vinho


Ciente da subjetividade que avaliar um produto da esfera do gosto, como é o vinho,
sempre encerra, defendo que o provador deverá colocar o rigor técnico acima do
gosto pessoal. Não sou fã de música clássica mas tenho obrigação de perceber se
uma orquestra está melodiosa ou dissonante.

22 · Revista de Vinhos ⁄ 370 · setembro 2020 @revistadevinhos

Free download pdf