Revista de Vinhos - Edição 370 (2020-10)

(Antfer) #1
CASTA

Arinto, a ácida


texto Marc Barros / foto arquivo

Em 2012, numa prova didática promovida pela Real Companhia Velha, em Vila Nova de
Gaia, foram apresentadas, pela equipa da chamada Fine Wine Division, amostras de vinifica-
ções por casta, algumas das quais estiveram na origem de vinhos experimentais que redun-
daram na criação da gama Series daquela empresa.
Porém, entre variedades raras ou quase em extinção, a memória fixou-se-me no vinho de
uma casta bem conhecida e disseminada, de norte a sul do país. A casta Arinto foi, nessa mesma
prova, responsável por uma explosão no palato, provocando uma sensação metálica sobre os
dentes que se afigurou como um soco desferido por Ali. A extraordinária acidez da casta, num
vinho ainda por domar, foi brutal e impiedosa.
Com presença em todo o território nacional, num total que ascende a quase 6000 ha., ou
seja, 3% do encepamento, à variedade, reconhecida como Pedernã nos Verdes, cabem sinoní-
mias como Pedernão, Arintho, Val de Arintho, Chapeludo ou Pé de Perdiz Branco.
Regressemos à dita prova: a sua descrição apontava para uma casta de “abrolhamento tardio,
elevado vigor, um pouco rebelde em termos culturais (vegetação desorganizada); cacho grande,
ciclo longo, maturação tardia”. Resulta “muito definida e pura, elegante e com extraordinária
acidez”.
Esta pode ultrapassar valores de 9 gr./l. e chegar mesmo aos 12 gr./lt., característica que
augura aos vinhos por si produzidos enorme capacidade de envelhecimento, potencial que
diminui quando fermenta em barrica. Apresenta produtividade alta quando em clones certi-
ficados, podendo superar 10 ton./ha. É de produção regular e adapta-se a todos os tipos de
solo: no granito dos Verdes, nos solos calcários e ácidos do litoral (Bairrada ou Lisboa), pas-
sando pelo xisto duriense aos franco-argilosos (Vidigueira) ou arenosos (Costa Vicentina) do
Alentejo e Algarve.
A componente ácida dos vinhos, que atribui a sensação de frescura, conjugada com a sua
mineralidade e o teor alcoólico que obtêm quando as vinhas possuem boa exposição solar,
contribuem para a elaboração de vinhos estremes de grande qualidade, facto reconhecido por
cada vez mais produtores de todo o país.
Esta componente de acidez torna-a também especialmente apta como melhoradora, con-
tribuindo para lotes vencedores: no Minho, com Loureiro e, por vezes, Alvarinho e Trajadura.
No Tejo, é garantia de frescura nos lotes com Fernão Pires e, no Alentejo, a sua valia enquanto
monocasta é já explorada por algumas casas. É, realmente, uma casta nobre, verdadeira embai-
xadora dos vinhos brancos portugueses.


Dicas


















A acidez cortante e incisiva será, talvez, a
principal característica associada à Arinto, bem
como a sua mineralidade e pendor cítrico. É a
variedade responsável pela única denominação
de origem regional no país para produção de
vinhos brancos, no caso Bucelas. E isso diz
muito.

Apresenta habitualmente cor cítrica aberta,
que corresponde aos aromas primários da
casta, juntamente com maçã verde e um toque
herbáceo. Quando vinificada em ambiente
redutor, pode libertar notas de fruto tropical,
como maracujá. Os anos podem aportar outras
notas, de fruto seco, mel ou querosene. No palato
mostra fruta, suavidade e, em alguns casos,
volume e textura. São vinhos frescos, vivos e
intensos.

São bons companheiros de mesa nas suas
diversas interpretações: os exemplares mais
típicos, que primam pela acidez e frescura,
pela leveza mineral e perfil frutado cítrico, são
excelentes para peixes grelhados, mariscos,
ostras com limão ou saladas leves. Aqueles
que passam pela madeira ombreiam com carnes
leves, saladas com massas ou pastas. E o que
dizer de vinhos já com alguns anos de garrafa?
Experimente-os com queijos de pasta mole.

Fica aqui uma lista, necessariamente curta, de
monovarietais da casta, oriundos de diversas
regiões do país: Covela Arinto 2019 (Vinho
Verde); Quinta do Síbio Arinto 2016 (Douro, o
tal que pensa ser Ali, em versão domesticada);
Campolargo Arinto Barrica 2017 (Bairrada);
Quinta Casal das Freiras Arinto 2018 (Tejo);
CH by Chocapalha Arinto 2018 (Lisboa);
Morgado de Sta Catherina 2017 (Bucelas,
com madeira); Pousio Arinto 2018 (Alentejo,
Vidigueira); Vicentino Arinto 2018 (Alentejo,
Costa Vicentina); Paxá Arinto 2017 (Algarve).
Boas provas!

38 · Revista de Vinhos ⁄ 370 · setembro 2020 @revistadevinhos

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