Revista de Vinhos - Edição 370 (2020-10)

(Antfer) #1
ESTRELAS DE PORTUGAL

texto Luís Alves / foto D.R.

Portugueses que se destacam no vinho e na gastronomia e que o fazem fora de Portugal.

“O acidente da minha vida que aconteceu sem eu saber bem
porquê”, resume Carlos Couto, português radicado pela Ásia há
quatro décadas. A viver em Macau, Carlos trabalhava regularmente
com grandes empresas de construção, ainda enquanto arquiteto.
Um dia, há alguns anos, teve um almoço com o diretor de uma dessas
grandes empresas e o vinho à mesa era português. Mythos (Casal da
Coelheira, Alentejo). No final desse almoço, Carlos, como português,
ficou incumbido de comprar mais vinho para o anfitrião. “Vi aquilo
como uma ajuda a uma pessoa conhecida, com quem trabalhava.
Tirei fotografia à garrafa, liguei diretamente ao Falcão Rodrigues
(proprietário do Casal da Colheira) e consegui mais garrafas. Mas
os pedidos não terminaram por ali e foram-se sucedendo” recorda
Carlos. E a frequência tornou-se grande ao ponto de ter criado, com
a esposa, uma empresa para fazer a importação de vinhos a que
chamaram “A Viagem”. A determinada altura, em Macau, Carlos é
desafiado a dedicar-se a outra bebida para além dos vinhos. “A
Unicer desafia-me a vender cerveja. Sou uma pessoa de entusiasmos
e aceitei”, revela. A par do vinho, o portefólio de Carlos aumentou
então para as cervejas, ainda que estas tenham uma lógica nego-
cial e de mercado muito diferentes. “A cerveja precisa de volumes. A
Heineken esteve 12 anos a perder dinheiro no mercado de Macau até
conseguir o seu espaço e finalmente a operação começar a ter lucro”.
Apesar de bem-sucedido a colocar a cerveja Super Bock um pouco
por todo o lado, em Macau, Carlos Couto estava a perder dinheiro.
Na primeira oportunidade para passar a pasta, fê-lo e regressou em
exclusivo aos vinhos portugueses. Estávamos em 2015.

Uma loja de vinhos que finge ser um restaurante

Carlos considerou arriscado abrir uma loja de vinhos pura. O
modelo que encontrou descreve-o em boa prosa: “Tanto em Taiwan
(primeiro Tuga) como agora em Singapura, são lojas de vinhos que

fingem ser restaurantes”. Em ambos, podem encontrar-se a boa e
tradicional gastronomia portuguesa, cozinhada por chefes portu-
gueses, com estantes repletas de referências nacionais de gamas
média-alta e alta. O Tuga de Taiwan abriu no antigo cabeleireiro de
Carlos, numa zona nobre, com muita restauração. Já o de Singapura
foi uma descoberta com a sócia que resultou na escolha numa zona
de montanha, também nobre, onde em tempos esteve ocupada por
instalações militares e onde atualmente vive a nata de Singapura.
David Marques Ferreira, antigo diretor da Herdade do Mouchão
e com passagens também pela Quinta do Pinto e Quinta do Casal
Branco, tem o vinho também como acidente na sua vida. “Fiz a
minha formação em Lisboa e estava a trabalhar no setor das teleco-
municações. Ouvi falar de uma oferta de trabalho na Quinta do Casal
Branco. A oportunidade pareceu-me interessante: juntava vinhos e
viagens. Eu pensei: gosto de beber vinho e gosto de viajar. Estive lá
sete anos e fui muito feliz. Aprendi muito e conheci pessoas extraor-
dinárias”, recorda Marques Ferreira, agora diretor de operações da
Tuga Holdings. Em latitudes asiáticas, em viagens de trabalho que
fez enquanto responsável comercial dos produtores portugueses por
onde passou, sentia-se em casa e foi alimentando o sonho de um
dia vir trabalhar naquela região do mundo. O único requisito estava
estabelecido: “tinha de ser na área dos vinhos”. E um dia, no feriado
de 10 de junho, Carlos e David descobriram pelas redes sociais que
estavam ambos em Singapura. Carlos procurava um espaço para o
que viria a ser o novo Tuga e David em trabalho pela Herdade do
Mouchão. Combinaram um copo, Carlos contou as novidades e o
desafio mais recente e a hipótese de trabalho saltou para cima da
mesa. Hoje vive o “entusiasmo, a energia e o dinamismo de Carlos
Couto, por novos vinhos, novos projetos e novos enólogos, reunidos
em dois espaços que devem orgulhar qualquer português que visita
Singapura ou Taiwan”, afirma.

“Vender vinho não é colocá-lo na prateleira do supermercado. É colocá-lo na boca das
pessoas, com toda a história e conhecimento atrelados. E só depois na prateleira”.

Este é um “Estrelas de Portugal” duplo. Carlos Couto e David Marques Ferreira têm vidas
profissionalmente cruzadas por terras asiáticas, sem perder as boas ligações a Portugal e fazendo
disso um modelo de negócio (e de orgulho, já agora). Carlos, arquiteto de formação e profissão, está
pela Ásia há 40 anos; David há apenas seis meses. Os restaurantes Tuga, primeiro em Taiwan e agora
em Singapura, são um elogio a Portugal, engarrafado ou empratado.

SINGAPURA

Carlos Couto e David


Marques Ferreira


54 · Revista de Vinhos ⁄ 370 · setembro 2020 @revistadevinhos

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