Revista de Vinhos - Edição 370 (2020-10)

(Antfer) #1
textos José João Santos / notas de prova António José Lopes, Guilherme Corrêa, José João Santos, Luis Costa,
Manuel Moreira, Marc Barros e Rodolfo Tristão / fotos D.R.

Num exercício breve de memória, recapitulemos os anos mais
recentes... Os Porto Vintage 2015 revelaram um equilíbrio difícil de
replicar. Foram, de alguma forma, um marco para uma nova interpre-
tação, a de quem pensa os Vintage não apenas sob o prisma do músculo
e da força bruta. Finura e elegância são descritores frequentemente
usados para os definir, a par da fruta sincera e delicada. Entram para a
história como dos melhores das primeiras duas décadas deste século e,
por não terem corporizado uma “declaração clássica”, como dos mais
injustiçados.
Quando lançaram os 2015, as grandes casas de Vinho do Porto já
sabiam o que tinham nos armazéns. Os Porto Vintage 2016 são exem-
plares de força bruta, de taninos portentosos, de estruturas poderosas
e cores impenetráveis. Vinhos de guarda, para esquecer nas garrafeiras
durante a primeira década e meia. Expõem, todavia, um fosso mais sig-
nificativo entre quem alcançou vinhos memoráveis e quem engarrafou
apenas nervo, na expetativa de o tempo os acalmar e embelezar.
Seguiram-se os Porto Vintage 2017, uma espécie de súmula do
melhor dos dois anos anteriores. Têm a potência dos melhores 2016
mas também o apuro dos 2015. De um ano muito quente e seco, de
bagos pequenos mas bem concentrados, não por acaso constituíram a
maior declaração de sempre, são clássicos que seguramente entram na
história deste século.
Por serem manifestamente distintos dos três antecessores e por rom-
perem um ciclo de duas declarações clássicas consecutivas (coisa rara),
os Porto Vintage 2018 representam uma espécie de virar de página.


Opções distintas


Apesar de 2016 e 2017 terem sido declarações clássicas, não houve
unanimidade. Algumas casas optaram por engarrafar vinhos Single
Quinta, outras simplesmente não elaboraram Porto Vintage nalgum
desses anos.
Considerado a cereja no topo do bolo por entre os vinhos do Porto,
um novo ano de Porto Vintage suscita sempre bastante curiosidade.
Desta vez, os dois principais barómetros desta tipologia de vinho deci-
diram engarrafar maioritariamente Single Quinta em 2018.
A Symington Family Estates apresenta um total de seis Porto Vintage.
Desses, apenas dois serão agora lançados no mercado – Quinta do
Vesúvio Porto Vintage 2018 e Dow’s Quinta Senhora da Ribeira Porto
Vintage 2018. Os restantes quatro ficam a estagiar em cave, a aguardar
lançamento dentro de 10 a 15 anos.
A Fladgate Partnership apresenta um trio de Portos Vintage, de onde
se destaca um clássico: o Taylor’s Porto Vintage 2018, obtido a partir
dos vinhedos na Quinta de Vargellas, transição do Cima Corgo para
o Douro Superior. O Fonseca Guimaraens e o Croft Quinta da Roêda
completam a mostra. O trio, todavia, só estará disponível no mercado
em 2021, para deixar o mercado respirar mais um pouco na sequência
da pandemia da Covid-19.
A Sogrape decidiu declarar Porto Vintage clássicos nas marcas
Ferreira, Sandeman e Offley. O grupo Gran Cruz declara Vintage para
as marcas Gran Cruz, Dalva e Quinta de Ventozelo. Seguindo estra-
tégia muito própria (tem declarado Vintage sistematicamente desde
2011), a Quinta do Noval também tem Vintage, mas em 2018 não há o
Noval Nacional. O grupo Sogevinus apresenta-se com dois clássicos –
Barros e Cálem – e dois Single Quinta – Kopke Quinta de S. Luiz Porto
Vintage 2018 e Burmester Quinta do Arnozelo Porto Vintage 2018. A
Niepoort não fez declaração.


Seca, chuva, granizo e calor

Tratando-se de um vinho de uma única colheita, o Porto Vintage
espelha em larga medida o temperamento de um calendário climático.
O inverno foi muito frio e seco, o que motivou um atraso no abrolha-
mento da vinha. De novembro de 2017 a fevereiro de 2018 era notório o
défice de água nos solos. No final de fevereiro começou a chover e toda
a restante primavera foi muito amena e chuvosa, contribuindo para a
reposição da água nos solos mas causando outras preocupações – a
humidade motivou atrasos suplementares na maturação bem como o
surgimento de algumas doenças, levando a uma primeira fase de perdas
de produção. No mês de março choveu mais quatro vezes que o normal
na sub-região do Cima Corgo, abril e maio também foram bastante chu-
vosos, por vezes com episódios extremos. A tempestade de granizo de
28 de maio autenticamente dizimou boa parte das vinhas do vale do
Pinhão.
O início do verão foi tímido e o atraso no ciclo vegetativo normal já
somava três semanas. Foi apenas a partir da segunda quinzena de julho
que o calor chegou verdadeiramente e houve dias de 45ºC no Douro
Superior. O calor permitiu recuperar parte do atraso vegetativo mas
provocou escaldões e uma segunda fase de perdas.
As plantas tinham registos positivos de ácidos, embora os açúcares
estivessem ainda abaixo do desejável em meados de agosto. Setembro
manteve-se quente, uns 3ºC acima da média, originando finais de matu-
ração muito rápidas, com várias castas (Alicante Bouschet, Touriga
Nacional, Touriga Franca...) a completarem o ciclo praticamente em
simultâneo.
Por comparação com os dois anos anteriores, 2018 conheceu um
ciclo de crescimento mais semelhante a 2016.

O perfil dos 2018

Vinhos de um ciclo tardio, de um ano que mereceu muitas incógnitas
mas que acabou em bonança, os Porto Vintage 2018 mostram-se equi-
librados entre o fruto primário e suculento, a aguardente bem contex-
tualizada, os taninos firmes e a estrutura globalmente com finura.
Das 45 amostras avaliadas pelo painel de provas da Revista de
Vinhos, que se reuniu na redação do Porto, saem reforçadas as linhas
de fronteira que nos últimos anos têm sido traçadas pelas duas cor-
rentes de interpretação do que pode ser um Vintage – uma de cariz
mais contemporâneo, onde a elegância geral e a procura pela acidez
saem reforçadas, e uma outra, de índole mais tradicional, onde o tanino
é mais austero, a fruta é mais madura e a perceção de doçura fica mais
reforçada.
A qualidade das aguardentes usadas merece ser enaltecida, bem
como o cuidado que se percebe em evitar sinais demasiado evidentes
de torrefação ou notas exageradas de chocolate negro. A adstringência
de algum tanino em interpretações mais tradicionais nunca chega a ser
excessiva e a elegância de visões mais contemporâneas faz-nos acre-
ditar não estarmos perante uma mera tendência, antes face a um enten-
dimento que nos permite obter prazer num Vintage novo sem com isso
beliscar todo o potencial da evolução em garrafa.
Na nossa avaliação, os Vintage 2018 não atingem o grau de exce-
lência dos 2017, 2016 e até de alguns 2015, mas apresentam uma con-
sistência muito assinalável. Contribuem, assim, para a glorificação do
Vinho do Porto enquanto desafiador do tempo, um gigante por entre os
fortificados do mundo.

PORTO VINTAGE 2018

@revistadevinhos setembro 2020 · 370 ⁄ Revista de Vinhos · 87

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